13
de Março de 2014 por As Minhas Leituras
O
período desde 2008 tem produzido um conjunto abundante de falácias económicas
recicladas, a maioria saiu das bocas dos líderes políticos. Aqui estão as
minhas quatro favoritas.
A dona de casa da Suábia. “Deveria
ter-se perguntado simplesmente à dona de casa da Suábia”, disse a chanceler
alemã, Angela Merkel, depois do colapso de Lehman Brothers em 2008. “Deveria
ter-nos dito que não podemos viver gastando mais do que se ganha”.
Esta lógica que parece sensata sustenta
actualmente a austeridade. O problema é que ignora o efeito da poupança da dona
de casa sobre a procura total. Se todas as famílias cortarem os seus gastos, o
consumo total diminuiria e, assim, também diminuiria a procura de mão-de-obra.
Se o marido da dona de casa perder o emprego, a família ficaria numa situação
pior do que estava antes.
O caso geral desta falácia é a “falácia
da composição”: o que faz sentido para cada família ou empresa individualmente
não dá necessariamente resultado para o bem de todos. O caso particular que
John Maynard Keynes identificou foi o “paradoxo da poupança”: se todos tentarem
poupar mais em períodos difíceis, a procura agregada desceria, baixando a
poupança total devido à diminuição do consumo e do crescimento económico.
Se o governo tentar cortar o seu défice,
as famílias e empresas terão que apertar os cintos e o resultado será uma
redução dos gastos totais. Como consequência, contudo, e por muito que o
governo corte os seus gastos, o seu défice vai diminuir pouco. Se todos os
países perseguirem a austeridade simultaneamente, uma menor procura por bens de
cada país provocará um menor consumo nacional e estrangeiro, levando a situação
a piorar.
O governo não pode gastar dinheiro que
não tem. Esta falácia – muitas vezes repetida pelo primeiro-ministro britânico,
David Cameron – apresenta os governos como se eles enfrentassem os mesmos
constrangimentos orçamentais que as famílias ou empresas. Mas, os governos não
são como as famílias ou empresas. Podem sempre obter o dinheiro de que
necessitam emitindo obrigações.
Mas, não terá um governo cada vez mais
endividado que pagar taxas de juros mais elevadas e, assim, os custos do
serviço de dívida chegarão a consumir todas as suas receitas? A resposta é não:
o banco central pode imprimir dinheiro extra suficiente para baixar o custo da
dívida do governo. É o que a chamada “flexibilização quantitativa”
(“quantitative easing”) faz. Com taxas de juro próximas de zero, a maior parte dos
governos ocidentais não podem deixar de se endividar.
Este argumento não é aplicável a um
governo sem o seu próprio banco central, caso em que enfrenta exactamente o
mesmo constrangimento orçamental da já citada dona de casa da Suábia. É por
isto que alguns estados membros da Zona Euro tiveram tantos problemas até que o
Banco Central Europeu (BCE) os resgatou.
A dívida nacional representa tributação
diferida. De acordo com esta falácia, muitas vezes repetida, os governos podem
obter dinheiro emitindo obrigações mas, tendo em conta que as obrigações são
empréstimos, estes terão – mais cedo ou mais tarde – de ser reembolsadas, o que
só pode ser feito aumentando impostos. E, tendo em conta que os contribuintes
assim o esperam, terão que poupar agora para pagar os seus impostos futuros.
Quanto mais se endivida o Governo para pagar os seus gastos actuais, mais
poupam as pessoas para pagar os impostos futuros, anulando qualquer efeito
estimulante do endividamento extra.
O problema com este argumento é que os
governos raramente são confrontados com a necessidade de “pagar” as suas
dívidas. Podem escolher fazê-lo, mas a maior parte deles
limita-se a refinanciá-las emitindo novas obrigações. Quanto maior for a
maturidade das obrigações, menos frequentemente devem recorrer os governos aos
mercados para obterem novos empréstimos.
Mais importante, quando há recursos não utilizados
(por exemplo, quando o desemprego é muito mais elevado do que o normal), a
despesa que resulta do endividamento do governo coloca esses recursos em uso. O
aumento de receita do governo que isto gera (juntamente com a descida de gastos
com desempregados) compensa o endividamento extra sem ter que aumentar impostos.
A dívida nacional é um fardo para as
gerações futuras. Esta falácia é repetida tão frequentemente que entrou no
inconsciente colectivo. O argumento é de que, se a geração actual gasta mais do
que ganha, a próxima geração será forçada a ganhar mais do que gasta para o
pagar.
Mas, isto ignora o facto de que os
titulares da mesma dívida estarão entre as gerações futuras supostamente
sobrecarregadas. Suponhamos que os meus filhos terão que pagar a dívida em que
nós incorremos. Estarão em pior situação. Mas, nós estaremos melhor. Isso pode
ser negativo para a distribuição de riqueza e rendimento, porque vai enriquecer
o credor em detrimento do devedor, mas não haverá encargo líquido para as
gerações futuras.
O princípio é exactamente o mesmo quando
os titulares de dívida pública são estrangeiros (como no caso da Grécia),
embora a oposição política para o reembolso será muito maior.
A economia está cheia de falácias,
porque não é uma ciência natural como a física ou química. As proposições na
economia rara vezes são completamente verdadeiras ou falsas. O que é verdade em
algumas circunstâncias pode ser falso noutras. Acima de tudo, a verdade de
muitas proposições depende das expectativas das pessoas.
Considere a crença de que, quanto mais o
governo se endivida, mais elevado será o encargo futuro com impostos. Se as
pessoas agem com base nesta crença, poupando cada libra, dólar ou euro extra
que o governo coloque nos seus bolsos, os gastos extra do governo não terão
efeito na actividade económica, independentemente de quantos sejam os recursos
não utilizados. O governo deve, então, aumentar os impostos – e a falácia
torna-se uma profecia auto-realizável.
Então, como devemos distinguir entre
proposições verdadeiras e falsas na economia? Talvez se deva traçar a linha
divisória entre as proposições que apenas são válidas se as pessoas esperam que
o sejam e as que o são independentemente das crenças a respeito. A afirmação,
“se todos nós poupássemos mais em tempos de crise, todos estaríamos melhor”, é
absolutamente falsa. Estaríamos todos piores. Mas, a afirmação, “quanto mais os
governos se endividam, mais têm que pagar pelo seu endividamento”, por vezes, é
verdadeira e, por vezes, é falsa.
Ou, talvez a linha que divide deve
separar as proposições que dependem de suposições razoáveis e as que dependem
de outras ridículas. Se as pessoas pouparem cada libra extra de dinheiro
emprestado que o governo gasta, o consumo não teria um efeito estimulante.
Verdade. Mas, estas pessoas existem apenas nos modelos dos economistas.
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