sexta-feira, julho 27, 2012

Vivemos o tempo da hipocrisia


Quando um homem for repreendido em público por uma mulher, cabe-lhe o direito de derrubá-la com um soco, desferir-lhe um pontapé e partir-lhe o nariz para que assim, desfigurada, não se deixe ver, envergonhada de sua face. E é bem merecido, por dirigir-se ao homem com maldade de linguajar ousado.»
Le Ménagier de Paris (Tratado de conduta moral e costumes da França, século XIV).

Devemos reconhecer que, ao fim de seis séculos, houve alguns progressos. Hoje em dia estas coisas já não se escrevem...
Este é um novo tempo. É o tempo da hipocrisia.

sexta-feira, julho 20, 2012

quarta-feira, julho 18, 2012

O corvo de Triberg

O corvo de Triberg
Um tempo de Verão que percorre os nossos Março, Abril e Maio, alterando entre chuva, nublado e sol, isto tudo num só dia e várias vezes ao dia. O ruído da cascata embrulha todo o espaço envolvente como o do Mar da Tocha a...o longe, em dias de temporal. Uma chuva miúda de céu forrado como no romance Mazurca para dois mortos do Nobel Cela, como se fosse em plena Galiza. Por aí acima, a montanha neste Verão alemão vem uma luz do céu, uma claridade difusa de sol já posto no vale e ainda a incidir a sua luz em mais de meia montanha. Os terrenos empapados parecem querer escorregar montanha abaixo.
O corvo em voo planado desce cascata e pousa no inclinado telhado, aquele que foi copiado pelo emigrante da região de Fátima, o telhado da casa comercial SCHIKENSTRASSE, Schwarzwälder Spezialitäten, já encerrada ao público, encerrou as 18 horas em ponto, e sabe ao que vem. É naquele espaço que os turistas comem, à alemã, a bucha do meio-dia. São na sua maioria turistas nacionais e os de outras latitudes seguem a regra de em Roma ser romano. O corvo sabe que aquele local está cheio de iguarias. É a hora de começar o seu turno de limpeza.
A funcionária do estabelecimento, de aspecto italiano, tinha acabado de correr os taipais depois de recolher num ápice todos os expositores quando o corvo do voo planado descendente pelas Wasswefälle, saindo dos centenários pinhos, os espruces, que muitos e bons tampos harmónicos de cordofones dariam, como deram e darão outros seus irmãos, altos e de largos diâmetros, destas altas e negras florestas.
Viram passar junto às suas raízes e troncos, mais do que uma vez botas cardadas. Sentiram o trepidar ritmado das marciais andanças e o cheiro dos fumos da pólvora, e lá estão no alto, direitos como mísseis a apontar os céus mais altos que a mãe montanha, elegantes e mais esbeltos que o maior eucalipto do Escoural, aquele enorme eucalipto ao fundo do meu pinhal da minha casa, aquele que era do meu pai.
O corvo, no seu planado voo, desceu o vê que sai da montanha, em centena de metros de cascatas, uma vagina a mijar vida daqui até ao Mar do Norte e a alagar o Reno de tantas lutas e pelejas entre povos e interesses de alguns que os usavam e usam.
O corvo, pousado no telhado, maneia a cabeça, aquele movimento cauteloso e inteligente que só ele sabe, não vá o diabo tecê-las, mesmo com toda protecção que goza na pequena cidade. Na terra dos construtores de relógios de cuco, ele sabe pelo soar das badaladas da torre a que hora a praça está vaga, a que hora janta. O corvo janta às 18 horas em ponto, a hora exacta em que a funcionária de aspecto latino encerra a SCHIKENSTRASSE, Schwarzwälder Spezialitäten.

segunda-feira, julho 09, 2012

Noam Chomsky e as “10 estratégias de manipulação”

O lingüista estadunidense Noam Chomsky elaborou a lista das “10 estratégias de manipulação” através da mídia:

1- A ESTRATÉGIA DA DISTRAÇÃO.

O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')”.

2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES.

Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.

Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO.

Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO CRIANÇAS DE BAIXA IDADE.

A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestão, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.

6- UTILIZAR O ASPECTO EMOCIONAL MUITO MAIS DO QUE A REFLEXÃO.

Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…

7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.

Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossível para o alcance das classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.

8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.

Promover ao público a achar que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto…

9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.

Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!

10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.

No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.
 

quinta-feira, julho 05, 2012

Filho da puta




«Estimados Compatriotas:
Acerca do filho-da-puta, como acerca de muitas outras coisas, correm neste país as mais variadas lendas. Há até quem seja de opinião de que o filho-da-puta a bem-dizer nunca existiu, dado que ele é apenas um modo de mal-dizer. Nada, porém, mais falso. É certo que o filho-da-puta às vezes não passa de um modo de dizer, mas não bastará a simples existência, particular e pública, de tão variados retratos seus, para arrumar com as dúvidas acerca da sua existência real? Pois quem teria imaginação suficiente para inventar tantas e tais variedades de filho-da-puta, caso ele não existisse? Não! O filho-da-puta existe. Em todos os lugares, excepto no dicionário. No dicionário existem variados filhos, entre eles o filho-família, o filhastro e o filhote, mas não existe o filho-da-puta. Em compensação, o filho-da-puta existe em todos os outros lugares. Claro que há lugares que ele de preferência ocupa e onde por conseguinte é mais frequente encontrá-lo; no entanto, exceptuando, como ficou dito, o dicionário, não há lugar onde, procurando bem, não se encontre pelo menos um filho-da-puta. Porque
o filho-da-puta existe e está praticamente em toda a parte: na escola e nas repartições, na indústria e no comércio, na cidade e nas serras, na rua e nas casas, e até nos cemitérios. Deste (exceptuando casos antigos ainda hoje falados, ou então muito recentes que deram que falar) pouco se sabe, como é natural. Desgraçadamente, porém, o mesmo sucede com muitos dos outros filhos-da-puta, e é isso mesmo que eu considero uma triste lacuna no nosso saber. Em grande parte dos casos, não se sabe deles mais que o que se sabe dos anjos, ou seja: que são seres de eleição que estão em toda a parte, mas que só por obras revelam a sua existência, a seres igualmente de eleição. É certo e sabido que filhos-da-puta menos sabidos não desgostam de se revelar; ainda neste caso, porém, não é fácil reconhecê-los, pois o filho-da-puta nem sempre usa sinais distintivos e
de resto, há filhos-da-puta que vestem bem e outros que vestem mal, filhos-da-puta garridos e filhos-da-puta soturnos, de uniforme e à paisana, de saias e de calças, de barba e sem barba, de bata branca e de bota preta. Nem sequer é fácil saber com segurança se o filho-da-puta tem predilecção por este ou por aquele traje: é certo que ele se mostra mais nuns que noutros, mas usa sempre o seu traje como a arquitectura de uma tragédia; para ele o nu é o ultraje, e por isso é que o filho-da-puta faz o o traje, embora o traje não faça o filho-da-puta.»
(…)
Discurso sobre o filho-da-puta, Alberto Pimenta (Ed. Teorema)