segunda-feira, junho 29, 2009

Moinho

(Gravura de Alves André)
O rodízio. O rodízio do teu moinho? Sim! Até o rodízio deve ser esquerdo. Esquerdo? Sim, esquerdo para que o bruxedo não entre no moinho. Enquanto houver água na represa o moinho trabalha sem parar, não há mal de quebranto que lhe chegue. Trabalhará como deve ser, não há nada que o impeça de moer. E dorme-se bem no moinho? Claro! Dorme-se sem contar o tempo, embalado ao som dos escadelos. São dois os escadelos que ficam por debaixo da moega. Pode fazer um cigonhal que o do meu moinho está estragado? Claro que sim, posso bem fazer já antes de começar com a relha e o formão. Mas e o olho? Será que lhe fizeram bem o olho ao moinho?
O meu também faz o olho, mas o outro lá de riba, o outro faz cá um olho tão bem feitinho que é um regalo vê-lo a trabalhar. Saiu de manhã à pergunta dele para ele vir fazer o olho, andou o dia quase todo atrás dele para o agarrar. Atrás dele de taberna em taberna? Não! Só há uma taberna, não há outra além daquela. Chegaram ao cerranto da noite, abraçados um ao outro. Amigos são eles! Nada disso, vinham abraçados de bêbados para não caírem.
A andadeira está picada de pouco tempo. A fixa é a mulher, fica por baixo. A mulher quando está por baixo também se mexe. Pois é, pois é, a fixa também se move. É fixa mas também se mexe, mas leva com umas cunhas para não descontrolar. Faz com as cunhas o oscilamento quando não está certa e a de cima andadeira descontrola. A debaixo deve estar fixa, tem que estar direita para que as duas enconem perfeitamente. E tu sabes afinar? Claro que sei! Pancadinhas do lado certo. Afinação de pancada, com cunhas de madeira. O cigonhal, não esqueça o cigonhal.
Tem tudo preparado no teu moinho? E esqueço lá isso, alguma vez. Tu tens tudo? A quelha por onde o grão corre da moega prá quelha e depois pró olhal de cima da que anda de volta. Entre as duas, com um desnível de meia unha, continua a fazer farinha.
Nasci no moinho. Dentro do moinho fui parido. Será que foste feito no moinho ao som dos escadelos? Quem sabem, pois nos moinhos há tempo para tudo. Nasci e logo fui lavado na valeta que corre ao lado. Só depois é que fui para casa, para a cama. Como sabes disso? A minha mãe contou-me.

7 comentários:

Arsénio Mota disse...

Ai, amigo Manel, o cheiro a Portugal antigo, aldeão, castiço, que traz este post! E que saudades de gente assim, nascida numa pausa forçada do trabalho e lavada a seguir na vala! Gente que mói o seu pão, que sabe pegar no formão, na serra e no martelo, e constrói, e repara a velha azenha! Gente que fala vernáculo, que apenas sabe SER e pouco TER!
Ah, amigo Manel, aperte por mim a mão calosa a esse homem! Quem nos dera que houvesse ainda muitos, muitos homens desses neste país pardido!

Manel disse...

Amigo Arsénio,
Sempre que aperto a mão do meu amigo, estou a cumprimentar esse homem sabe SER.

Abraço
Manel

António disse...

Conheci um ti Jaquim de Antes, que ao falar nestas coisas vernáculamente, dizia-nos que isto era a verdadeira "procidade" da vida...palavra q não existe e que todos a entendiamos perfeitamente!
Não vão deixar legado a ninguém este saber ser, ensinado pela vida, um saber ser cheio puro...

Carlos Rebola disse...

Parabéns Manel

Só mesmo um engenheiro, com dotes literários, nos poderia brindar com esta entusiasmante explicação do funcionamento do moinho e da terminologia usada. No fundo, a técnica aqui "encona" bem, com esta agradável estória, da história da molinologia.
A ilustração merece moldura.

Um abraço
Carlos Rebola

Bruno E. Santos disse...

Deixo só uma informação!
No topo de uma das montanhas da Serra do Buçaco, no concelho de Penacova, existe o Museu do Moinho, bem como um núcleo envolvente de vários moinhos, uns em ruínas e alguns recuperados!
O Museu tem um espólio imenso sobre várias temáticas relacionadas com os moinhos e tem um técnico em permanência, bastante simpático, que faculta visitas guiadas com explicações técnicas e respostas a questões do visitante! E para mais, acho que a visita ainda deve ser gratuita (pelo menos, nas duas vezes que lá fui, em 2005 e 2007, era)!
Quem for ao Luso e à Mata do Buçaco, é só seguir para Este mais uns 8 ou 9 km pela Serra e está lá!


Cliquem aqui para mais informações
!

Bruno E. Santos disse...

E aproveito só para informar que o moinho gandarez existente na localidade dos "Morros", está a degradar-se! O do Casal Novo está "assim-assim" e o do Castanheiro em estado avançado de ruína, já irrecuperável! Se algum dos leitores do blog tiver acesso privilegiado ao pessoal da JF do Bom Sucesso ou da CMFF, mande-lhes uma sugestão acerca da recuperação do Moinho dos Morros!

Mário Caniceiro disse...

Amigo Bruno, o melhor é tentar entrar em contacto com o vereador do pelouro da Câma da Figueira da Foz e saber qual é a opinião dele acerca do assunto