segunda-feira, março 09, 2015

Manual do bom caloteiro

 
Manual do bom caloteiro
(Qualquer semelhança com a realidade é coincidência)
- O caloteiro nunca ofende, é sempre ofendido.
- O caloteiro coloca a honestidade acima de tudo. A dele.
- Exceção feita aos que o conhecem demasiado bem.
- O caloteiro tolera os adversários, desde que não ameacem o seu lugar.
- E o elogiem.
- O caloteiro respeita a presunção de inocência e só a despreza se necessário.
- O caloteiro não gosta de ser chamado caloteiro, acha que o retrato é injusto.
- E a justiça é muito importante para o caloteiro, ele não suporta injustiças.
- O caloteiro é sempre justo, mesmo quando reconhece não ser «exemplar».
- O caloteiro não pensa. Ele é mais um homem de ação.
- O caloteiro não tem saudades de Salazar, tem inveja.
- Acha apenas que lhe faltam os meios.
- Alguém que impedisse a divulgação dos factos contra si.
- E publicasse calúnias contra os adversários.
- Ou mesmo factos, se lhe fossem úteis.
- O caloteiro sabe que a descolonização foi muito mal feita.
- O caloteiro gostava de uma Pátria maior, a que julgava dele.
- E de mandar nela.
- O caloteiro acha que os políticos são todos corruptos.
- E por ele ia tudo preso.
- Mas diz que nem todos os políticos são iguais.
- O caloteiro não é político, ocupa o lugar que os amigos lhe impuseram. 
- O caloteiro acha que pagou todas as contas.
- Pelo menos, nunca deixou de pagar o que o Fisco o convidou a pagar.
- O caloteiro acha que as dívidas são para pagar.
- Mas pagá-las, antes de serem noticiadas, é eleitoralismo. 
- O caloteiro sempre pensou em pagar, apesar de prescrito o calote.
- E só não pagou a totalidade porque o credor negou qualquer dívida.
- O caloteiro gosta de um presidente que não se meta na luta eleitoral.
- E aprecia que repita o que dizem os outros assessores.
- O caloteiro acha que isso é isenção.
- O caloteiro sente-se injustiçado e não é como o preso.
- O caloteiro acha que a prisão preventiva é o mínimo para quem o ataca.
- O caloteiro respeita a Justiça.
- Quando é aplicada a adversários.
- O caloteiro é contra o direito à diferença.
- Mas ofende-se que não lhe reconheçam o direito à diferença.
- O caloteiro sabe que é crime enriquecer no lugar que ocupa.
- Mas não aceita a confusão com os lugares que ocupou.
- O caloteiro sofre de amnésia.
- O caloteiro não sabe onde trabalhou durante alguns anos.
- O caloteiro esqueceu-se de quem lhe pagou.
- Mas reconhece que desconhecia que tinha de pagar impostos.
- O caloteiro é pela transparência.
- Mas recusa a devassa às suas declarações de IRS.
- O caloteiro pede um subsídio de reintegração pela exclusividade de funções.
- Mas não se recorda se outras funções, em simultâneo, eram pagas.
- O caloteiro é a favor da democracia.
- Mas acha que uma democracia, com esta oposição, não é democracia.
- O caloteiro detesta que lhe chamem caloteiro.
- O caloteiro sabe que, ao negar que o é, está a ser manhoso.
- Outras vezes não sabe mesmo.
- O caloteiro odeia as Finanças e a Segurança Social.
- Mas defende que todos devem cumprir as suas obrigações.
- O caloteiro só não paga por distração e falta de dinheiro.
- O caloteiro nunca perde autoridade para exigir aos outros o que não faz.
- O caloteiro não cumpriu porque não foi convidado a fazê-lo.
- Ou foi.
- Sem carta registada.
 
(Texto adaptado de Rui Zink, sobre o «Manual do bom fascista)

Carlos Esperança

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