terça-feira, janeiro 14, 2014

Lixo literário


Considerações sobre uma entrevista a um jornal regional do Responsável da Biblioteca Municipal de Vila Franca de Xira e o que se lhe seguiu
 Li as notícias que o O Mirante publicou na sequência da entrevista àquele jornal do Responsável da Biblioteca Municipal de Vila Franca de Xira, Dr. Vítor Figueiredo, em que falava, entre outros assuntos bem mais importantes, de um livro que é recorde de vendas em Portugal e em grande parte do mundo.
A minha opinião é totalmente diferente da do jornal e das pessoas que intervieram. Vejamos:
 1) Um responsável de uma Biblioteca pública não tem verba para
adquirir toda a lista de livros que mensalmente são publicados pelas editoras. Tem, pois, de escolher e é ele a fazê-lo com a colaboração da sua equipa, mas sendo sempre ele o responsável. Mas tem de seleccionar.
Por cada mau livro que adquirir, é um bom livro que não é posto à disposição dos leitores.
Mesmo que tenha um orçamento muito dilatado deve seleccionar. 
 2) Tem de ter em conta os pedidos dos leitores, mas pode não aceitar tudo o que lhe é pedido. Mais uma vez tem de seleccionar.
 3) O seu critério de selecção tem de ter em conta a qualidade dos livros a adquirir. Uma biblioteca pública não é um Hipermercado, onde se vende tudo o que dá lucro. Para mais, as editoras, mesmo as mais criteriosas, publicam toda a espécie de "lixo literário". Ora um responsável de uma biblioteca pública não pode alinhar em todo o "lixo" que lhe queiram vender. As pessoas têm direito a ler tudo o que quiserem, mas as Bibliotecas públicas é que não podem aceitar tudo.
 4) Eu até defendo que as bibliotecas municipais deviam ser com as colectividades populares e os museus um contrapoder à cultura vigente, que privilegia o que dá lucro e não o que tem qualidade ou/e é incómodo (por exemplo, o Neo-Realismo). Não só nos livros que adquirem, como nas iniciativas de divulgação daquilo que é realmente bom. Claro que a qualidade é sempre discutível. Mas há livros cuja qualidade ninguém põe em causa. Outros estão no limiar.  Todavia, o critério principal deve ser a qualidade e também a importância.
 5) As livrarias estão cheias de "lixo literário", que os meios de comunicação social de grande projecção incentivam. Ora não! Aos seus patrões interessa que as pessoas leiam coisas que as desviem dos verdadeiros problemas, que lhes não dêem informação, que não as façam pensar. Muitas editoras pagam espaço nas livrarias para que os seus livros tenham a melhor exposição.
 6) Também estão cheias de livros estrangeiros, particularmente estadunidenses, que melhor se afeiçoam ao objectivo de alienar os leitores. Além disso, nos livros de autores estrangeiros as editoras portuguesas podem aldrabar nas tiragens, fugindo ao pagamento de direitos, prática que já é muito antiga em Portugal; de que já tenho notícia desde os anos 40; certas editoras eram bem conhecidas por essa prática.
 7) Por isso, se vê muita gente que lia Ferreira de Castro, Aquilino Ribeiro ou os neo-realistas a lerem hoje José Rodrigues dos Santos, Margarida Rebelo Pinto, etc. e outros exemplos do tal "lixo". Por isso, a nossa conterrânea Ana Cristina Silva não tem a divulgação que merece. E também outros, muito melhores que os tais muito divulgados. E os autores mais jovens que vão aparecendo, inicialmente com algum impacte, não reeditam os seus livros. E até com muitos dos mais consagrados as reedições não se fazem. Muitos já desistiram de escrever.
Tudo isto pode conduzir, a prazo, à liquidação da literatura portuguesa.
 8) O mesmo acontece com a Música, o teatro e o cinema. A primeiro e o último, a nível europeu, já foram destruídos pela indústria americana (quase foram reduzidos a uma divulgação no país de origem); que se prepara para também destruir a literatura europeia. Com o teatro também tentam, especialmente com os musicais. É que os produtos culturais já correspondem a uma boa fatia das exportações estadunidenses, sendo necessário destruir a concorrência.
 9) A acção do jornal reforça essa tendência monopolizadora, reduzindo o espaço de manobra daqueles que lutam contra ela.
 10) Esta ofensiva dos grandes grupos que querem dominar a cultura terá a prazo graves consequências, impondo uma visão do mundo que lhes interessa, uma visão acrítica, sem compreensão dos mecanismos de poder, imbecil, que facilite o seu domínio.
 11) É isso que O Mirante pretende com uma pretensa liberdade de cada um ler o que lhe apetece, sem qualquer sentido crítico?
Como se pode achar que se "trata de um acto de censura"? A Censura em Portugal não foi assim. A Censura seleccionava o que adquiria ou proibia para todo o espaço geográfico que controlava? Não cortava o que não queria que fosse lido, pura e simplesmente?
 12) Já agora por que razão as Bibliotecas não hão-de comprar as revistas  pornográficas, porque muita gente as veria, aumentando os utentes das bibliotecas? Se tudo o que os utentes querem as bibliotecas têm de adquirir, porque não? E também os filmes pornográficos?
 13) A Biblioteca Municipal de Vila Franca de Xira tem realizado das melhores iniciativas de divulgação da literatura portuguesa de entre as bibliotecas portuguesas: exposições, sessões, debates. Ganhou, por mais de uma vez, o Prémio Fundação Calouste Gulbenkian. É esse trabalho, que a grande maioria dos vilafranquenses não usufrui, que estão a querer destruir, afastando, eventualmente, o seu responsável, num momento em que há um concurso público para o lugar?
 14) Acho que quem se pronunciou sobre este assunto devia ter pensado bem no jogo complexo que está em questão.

A. Mota Redol
Janeiro de 2014
(Recebido por email)


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