quinta-feira, setembro 27, 2012

É o dinheiro, estúpido!




 “É o dinheiro, estúpido!”

por Licínio Nunes às 00:46

N.B. — Esta parte é, em boa medida, baseada em Teoria Relativista do Dinheiro. O autor publicou-o, de forma inédita, com base na licença GPL (Gnu Public License Agreement). De acordo com esses termos, qualquer um o pode modificar, traduzir, fazer o que muito bem entende, desde que dê o crédito devido ao original. Apetece-me ironizar, dizendo que Stéphane Laborde sentiu que precisava de auxílio para tornar o assunto compreensível pelo comum dos mortais.
Se dermos 100 euros ao proverbial Bill Gates e outros 100 euros a um proverbial sem-abrigo, criámos uma situação de simetria. Dum ponto de vista social — o mais importante — existe uma assimetria abismal entre aquelas duas condições. Contudo, dum ponto de vista monetário, ambos os montantes representam exactamente a mesma quantidade de bens e serviços, disponíveis numa qualquer sociedade. O dinheiro em si, não tem qualquer valor. É apenas uma promissória válida para os tangíveis e intangíveis que as sociedades produzem. E o dinheiro, todo o sistema monetário no seu conjunto, é suposto ser neutro e é suposto ser simétrico. Não é.

Mesmo para o proverbial Bill Gates, aqueles 100 euros representam 100 menos a taxa de juro associada à dívida que os criaram; para o banqueiro que os criou, representam 100 mais a taxa de juro que ele impôs. O actual sistema monetário foi criado pela Conferência da Jamaica, de 1973, convocada para responder ao "Grande Estrangulamento" imposto no início dessa década por Richard Nixon. Foi o fim do Sistema de Bretton Woods, que, para o bem e para o mal, orientou a notável recuperação do Mundo pós-guerra.



Muito raramente terá a expressão "O canto das sereias" sido tão adequada. Arquitectado por banqueiros, o "Sistema da Jamaica" pretende evitar os incómodos da Democracia, não se pode confiar nos eleitos para conduzirem o processo de criação monetária. Mais do que isso, tal poder tem que lhes ser retirado. Vamos a factos: a França foi um dos primeiros países a transporem o novo estado de coisas para a sua ordem jurídica interna, pela lei Pompidou, de 1973. Estamos a falar dum país muito razoavelmente bem administrado; o total de juros pagos pela República Francesa, desde então até ao presente, é de cerca de 1.5 TeraEuros (triliões, pela "notação latina clássica); o total da dívida pública francesa é de cerca de 1.6 TeraEuros. Será que neste ponto, alguém em seu perfeito juízo ainda tem dificuldades em responder à pergunta "Qual é a origem da dívida pública?". Não creio. E, no entanto, há algo de essencial que não é óbvio.
 
A economia real é substitutiva. O seu valor total pode aumentar, espera-se que aumente, mas um qualquer bem (ou serviço!) criado, não vai ser adicionado ao total existente. Olhem à vossa volta! Uma nova tonelada de aço produzido, não vai ser adicionada ao total existente. Pelo contrário, terá, em boa medida, sido fabricada a partir de aço previamente existente. E o mesmo pode ser dito dos serviços. O sistema monetário é aditivo. Há quem pense que a incompreensão do mecanismo subjacente seja uma das piores fraquezas do espírito humano. Uma velha história, muito provavelmente apócrifa, ilustra o problema.

Em tempos idos, havia um Imperador da Pérsia que se aborrecia mortalmente. Tudo tinha, e como tudo tinha, já nada desejava. O Grão-Vizir, preocupado com o estado de espírito do soberano, presenteou-o com um novo jogo: um tabuleiro, com 32 casas brancas e 32 casas negras, e 32 peças, metade de cada cor. Tinha sido inventado o xadrez.

O Imperador ficou maravilhado com o novo jogo e disse ao Grão-Vizir "Pede o que quiseres, tudo te será dado". O Grão-Vizir respondeu: "Majestade, eu quero apenas um grão de trigo pelo primeiro quadrado do tabuleiro, depois o dobro pelo segundo quadrado, e assim sucessivamente, até o último". O Imperador riu-se como os seus botões "Pobre tolo! Poderia ter pedido todas as riquezas da Pérsia e todas lhe teriam sido dadas, e contenta-se com uns quantos grãos de trigo". Foi com grande risco pessoal que outros funcionários da corte tiveram que informar o Imperador que o pedido do Grão-Vizir não podia ser atendido. Não havia grãos de trigo que chegassem. Na realidade, não há partículas elementares no Universo suficientes para atingir aquele total.
O Grão-Vizir pagou com a vida por ter colocado o Imperador na posição de ter feito uma promessa que não podia ser cumprida. É sempre um risco enorme tentar ensinar Soberanos incapazes de aprender.

O sistema monetário é aditivo e produz um crescimento exponencial insustentável. Como toda a criação monetária é o produto duma dívida qualquer, o proverbial "poder do dinheiro" deixou de designar a posse da terra, das fábricas, dos meios de produção, em suma, para passar a designar o poder de criar massa monetária e impor as dívidas daí resultantes. O monopólio da violência, pretendido como atributo do Estado-Soberano, deixou de ter como função primordial a protecção da propriedade privada, para passar a impor a sacralidade da dívida e a repressão dos que se lhe opõem.

Somos continuamente bombardeados com a narrativa da inevitabilidade, com a imperiosa necessidade de "respeitar os compromissos", para que ninguém se atreva sequer a murmurar "Islândia". Para que não se saiba que os mesmos que nos ameaçam, batem hoje respeitosamente à porta daqueles orgulhos Vikings, boné na mão, para que eles se dignem a ponderar usar os seus serviços. Não é só o sistema monetário que tem uma natureza aditiva, a mentira também. A revolução deixou de ser uma bandeira, tornou-se inevitável.


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