A memória de Rio
de Onor remonta a uma página do livro de leitura da Escola Primária, onde a
ideia que eu interiorizava que os portugueses eram os únicos valentes,
corretos, e sempre vencedores em todas as lides bélicas. Enfim, uma Pátria
escolhida por Deus a quem teríamos que agradecer todos os dias. Ao divino e ao
seu representante por ele escolhido para nós, o presidente do Conselho, cuja fotografia
tínhamos pregado na parede por cima do quadro negro, ao lado do Deus Nosso Senhor
crucificado. Tal só teria paralelo com o povo israelita escolhido por Deus a
conquistar aos cananeus a Terra Prometida, sabendo-se hoje que eles eram os próprios
cananeus e adoravam vários deuses. Foi assim que passados mais de cinquenta
anos dessa leitura que chego, pela primeira vez, a Rio de Onor.
Entramos pelo
lado de Castela e Leão, e não notei a diferença que a memória da leitura de
menino me tinha deixado. O Rio corre limpo, apresentando um laivo barrento da escorrência
das chuvas de monte e rua abaixo: A aldeia está limpa e as casas da horta têm
aspeto de serem para turistas.
Buscamos ver
pessoas: um homem e o seu manso cão, resguardados da chuva que às vezes caía,
tinham aspeto de terem terminado a refeição; uma velhota vestida de preto
falava do outro lado da cancela que dava para a alpendurada repetindo, a
carreira é às três, a carreira é às três, e nada mais dizia.
Atravessamos o
rio, pela velha ponte romana, para o outro lado. Duas mós de um moinho, fixa e
andadeira lado a lado. Depois de tanto cereal transformado em farinha servem de
mesas. O pavimento empedrado tem aspeto de aplicação recente.
Do rés-do-chão da
casa ouvem-se pancadas de talhar madeira. Fomos convidados a entrar: bom dia e
com licença.
Começou a
conversa. O velho taberneiro e merceeiro reformou-se. A taberna e a mercearia deixaram
de ter clientes à medida que o dono envelhecia. Este passou a ocupar o espaço com
a manufatura de máscaras de diabos e miniaturas de alfaias agrícolas. Em cima
da bancada de trabalho apresenta-se uma miniatura de arado com relha e tudo
mais. Nos expositores, vê-se uma máscara de diabo, feita de um pedaço de
carvalho, de tamanho enorme e de adorno expositivo desde os cornos aos dentes. À
pergunta se usava amieiro para talhar máscaras, reponde que sim, que até é mais
fácil de trabalhar e dá obra de melhor aspeto. Máscaras em cortiça, todas
diferentes e mais pequenas, as mais baratas, e outras em chapa metálica soldadas
e pintadas com tinta acastanhada, todas semelhantes, trabalho de serralharia.
A estrada que
liga à cidade apresenta um piso liso, suave à condução sem pressas.
Ao sairmos do povoado
cruzámos com a camioneta da carreira das três.