terça-feira, junho 20, 2023

A memória de Rio de Onor

 


A memória de Rio de Onor remonta a uma página do livro de leitura da Escola Primária, onde a ideia que eu interiorizava que os portugueses eram os únicos valentes, corretos, e sempre vencedores em todas as lides bélicas. Enfim, uma Pátria escolhida por Deus a quem teríamos que agradecer todos os dias. Ao divino e ao seu representante por ele escolhido para nós, o presidente do Conselho, cuja fotografia tínhamos pregado na parede por cima do quadro negro, ao lado do Deus Nosso Senhor crucificado. Tal só teria paralelo com o povo israelita escolhido por Deus a conquistar aos cananeus a Terra Prometida, sabendo-se hoje que eles eram os próprios cananeus e adoravam vários deuses. Foi assim que passados mais de cinquenta anos dessa leitura que chego, pela primeira vez, a Rio de Onor.   

Entramos pelo lado de Castela e Leão, e não notei a diferença que a memória da leitura de menino me tinha deixado. O Rio corre limpo, apresentando um laivo barrento da escorrência das chuvas de monte e rua abaixo: A aldeia está limpa e as casas da horta têm aspeto de serem para turistas.

Buscamos ver pessoas: um homem e o seu manso cão, resguardados da chuva que às vezes caía, tinham aspeto de terem terminado a refeição; uma velhota vestida de preto falava do outro lado da cancela que dava para a alpendurada repetindo, a carreira é às três, a carreira é às três, e nada mais dizia.

Atravessamos o rio, pela velha ponte romana, para o outro lado. Duas mós de um moinho, fixa e andadeira lado a lado. Depois de tanto cereal transformado em farinha servem de mesas. O pavimento empedrado tem aspeto de aplicação recente.

Do rés-do-chão da casa ouvem-se pancadas de talhar madeira. Fomos convidados a entrar: bom dia e com licença.

Começou a conversa. O velho taberneiro e merceeiro reformou-se. A taberna e a mercearia deixaram de ter clientes à medida que o dono envelhecia. Este passou a ocupar o espaço com a manufatura de máscaras de diabos e miniaturas de alfaias agrícolas. Em cima da bancada de trabalho apresenta-se uma miniatura de arado com relha e tudo mais. Nos expositores, vê-se uma máscara de diabo, feita de um pedaço de carvalho, de tamanho enorme e de adorno expositivo desde os cornos aos dentes. À pergunta se usava amieiro para talhar máscaras, reponde que sim, que até é mais fácil de trabalhar e dá obra de melhor aspeto. Máscaras em cortiça, todas diferentes e mais pequenas, as mais baratas, e outras em chapa metálica soldadas e pintadas com tinta acastanhada, todas semelhantes, trabalho de serralharia.

A estrada que liga à cidade apresenta um piso liso, suave à condução sem pressas.

Ao sairmos do povoado cruzámos com a camioneta da carreira das três.

 

 


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