quarta-feira, junho 27, 2018

Um comunismo que tudo arrasa



   Estávamos no ano 1975 e era Verão. 
   Lembro!
  Eu tinha 16 anitos,  e as preocupações eram as borbulhas, o cabelo comprido, as voltas na motorizada nova, a trial de cor amarela, entre outras coisas, mais do que com o que se passava com a política portuguesa daquela época.
   O meu vizinho da aldeia dizia para quem o quisesse ouvir:
   - Vem aí um comunismo que arrasa tudo! Vamos perder o dinheiro, as terras, as casas.
   Hoje o meu vizinho está com uma idade avançada, e até parece que os tempos lhe estão a dar alguma razão.

segunda-feira, junho 25, 2018

O largo



   O largo, o enorme Largo do Santuário, tem outros caminhos traçados para nele se entrar e sair: o caminho das Baleiras do Mar, o caminho dos Salgueiros, o caminho do Monte do Cabeço, o caminho da Lagoa da Areia e o caminho para a Terra Alta que também dá para a Vila Velha, mas o mais importante é aquele, vai entrar bem a meio, vindo do carreiro do Couto de Sant’Amaro.

(Manuel Ribeiro, Os Caminhos do Santuário)

quinta-feira, junho 21, 2018

A catástrofe anunciada



Estamos em Junho de 2018 e recordo aqui o que publiquei em Julho de 2008.
Nunca imaginei que viesse o queimo que tudo levou, deixando as pessoas cá das areias a negarem o óbvio como quem ainda não caiu na realidade.
O Poder Local deve estar a fazer qualquer coisa, mas o quê eu não sei. Mas se calar eu nem tenho nada que saber, pois parece que até nem são contas do meu rosário. No entanto lembro que eu também sou vítima da catástrofe de 15 de Outubro, pois as minhas propriedades florestais foram comidas pelo fogo.
Tal qual a maioria dos meus vizinhos, eu não vivo da agricultura. Somos herdeiros de terra que estava organizada para um uso que hoje se apresenta como obsoleto, que serviu até meados do século passado.
O que vem aí será bem mais difícil de resolver, e as catástrofes estão anunciadas.
Limpemos à volta das habitações. Assim teremos mais possibilidade de minimizar estragos futuros.

Terça-feira, julho 01, 2008
A desertificação da Gândara
Não estou a afirmar que a Gândara deixou de ser verde! O que quero dizer é que está a ficar deserta em termos agrícolas, ao abandono, sem população activa e em exclusão rural. A Gândara, a velha Gândara agrícola que se afirmou como tal, definha e morre. Foi excluída, tal como a maioria do país rural, da Política Agrícola Comum desenhada para a agricultura de alguns países. Entre estes, temos a França como exemplo. Foi o então primeiro-ministro Cavaco Silva, o primeiro-ministro que mais votos teve do mundo rural, o que mais esqueceu a Agricultura abandonada por Bruxelas, levando à transformação dos agricultores em serventes das obras que agora entulham as cidades. Depois vieram outros que se limitaram a gerir ajudas e subsídios comunitários, faltando uma política que seja activa na promoção da sustentabilidade agrícola e ambiental. Depois do deserto cheio de eucaliptos do Sr. Cavaco Silva, os primeiros ministro que lhe seguiram até parecem julgar que a dita árvore australiana de origem passou a ser autóctone, enquanto o tecido social agrícola da Gândara está degradado, onde o mato e as silvas tomam conta das terras.


O cheiro a queimo relampejado que vem de cima.



Todo o areal, daqui do Monte do Cabeço até ao mar, estremece debaixo da forte chuva batida por uma trovoada que larga e queima enxofre, rasgando o ar abafado da noite quente de Maio. As fortes gotas de água caem como ovos de passarinho tombados do ninho do alto pinheiro desfazendo-se em chapadas, laradas de água ao baterem no chão de areia. Um cheiro a terra levanta-se no ar ao encontro do cheiro a queimo relampejado que vem de cima. 
(Manuel Ribeiro, Os Caminhos do Santuário)

segunda-feira, junho 18, 2018

A pobreza herda-se



Uma família portuguesa de baixos recursos pode demorar 125 anos até que os seus descendentes consigam alcançar um salário médio, isto segundo um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, OCDE.
Por cá os partidos dos pobres não comentam, talvez com o receio de perderem a causa da razão da sua existência.
No entanto a existência de pobres tem dado um jeitão a muita boa e rica gente, desde o negócio da caridade, lavagem e salvação de almas e garantia de votos em dia de eleições.
A pobreza herda-se.

quinta-feira, junho 14, 2018

A ignorância estuda-se







   É uma aprendizagem contínua para ser um ignorante assumido.
Não tem sido fácil, pois só se percebem as coisas passado um tempo depois de passar por elas e só depois de ver os outros a passar por situações idênticas ou similares.
   - O que mudou?
   - Muito pouco.
   As coisas seguem o seu caminho e as vantagens que muitos afirmam, na realidade teimosa não existem como eles as imaginam, são de outra forma e outro nível que eles nem verbalizam.
   É que a ignorância estuda-se.


segunda-feira, junho 11, 2018

Registos



Os registos surpreendem-nos.
Lemos o que escrevemos há uns anos e ficamos surpreendidos pela actualidade do que escrevia-mos.
Por isso é que devemos escrever o que pensamos.
Escrever é, afinal, registar o que somos.


quinta-feira, junho 07, 2018

Mar calmo nunca fez bom marinheiro.






Os calendários de agora já não indicam as estações do ano, nem as fases da Lua, como os de antigamente, mas ainda se vendem o Borda d’Água e o Seringador no Mercado de Domingo. Se há a vender, é por haverá quem compre. Até nos calendários se fala de tudo menos nos dias. Tal como na televisão, as vidas das pessoas são enleadas pelas notícias sem nexo, quando antigamente eram guiadas pela Lua e pelo Sol.
Vivemos um tempo em que uma pessoa é levada a aceitar que a Liberdade é sinónimo de dia de folga.
No entanto, mar calmo nunca fez bom marinheiro.


Quando o fácil é difícil, ou foi pancada do dia.
Neste tempo de trabalho na era digital, onde tudo se apresenta como facilitado, eu vejo uma realidade bem mais difícil.
Em vez dos computadores estarem ao nosso serviço, parece-me que já estamos a trabalhar numa organização no modelo de trabalho dos computadores, não num modelo humano, mas num modelo subordinado aos números.
 Depois falaremos.

terça-feira, junho 05, 2018



Nós vínhamos da feira da vila.
Era S. João e a velha Ana estava a ralhar com o Gomes Rico acerca de quem era dono do velho e enorme pinheiro, aquele que estava ferido pelos cubos das rodas dos carros, sempre a largar resina pela ferida abaixo, na borda do caminho que subia o Monte do Cabeço, o que foi atingido nesse Verão pelo raio que o rasgou de alto abaixo e se foi afundar pelo chão, onde caiu em luz e estrondo.
(Manuel Ribeiro, Os Caminhos do Santuário, página 135)