À margem, para sempre
29 OUT 12
"Se isto não muda, parte da população ficará à margem para sempre". O aviso
é de Jorge Nuño, secretário geral da Cáritas Europa, em entrevista ao jornal
espanhol ABC.
"Em todo o lado", diz Jorge Nuño, "os pobres estão a ser esquecidos". O
secretário geral da Cáritas Europa acredita que a situação que conduziu a esta
crise está a levar ao limite a coesão social em toda a Europa. Mas ele não
aponta o dedo só a Bruxelas: "Quase sempre são os estados membros que tomam as
principais decisões e depois culpam Bruxelas". E lembra, a propósito, os enormes
esforços feitos para que, na Estratégia para 2020, cheia de objectivos
macroeconómicos e de defesa do ambiente, surgisse como um desafio europeu tirar
20 milhões de pessoas da pobreza. E Jorge Nuño partilha a expectativa de que, ao
contrário, o número de pobres aumente, na maior parte dos países da Europa,
incluindo a Alemanha.
Ele recorda o percurso das últimas três décadas: a Europa cresceu nos anos
80, expandindo uma sociedade de bem estar, mas a partir dos anos 90 manteve esse
padrão aumentando a dívida pública, sem contrariar o aumento das desigualdades e
sem "garantir os meios para investir nas pessoas e assegurar uma economia
sustentável, sobretudo na educação. Quando chegaram as medidas de ajustamento,
os mais prejudicados foram os mais fracos".
Este sinal de alarme do secretário geral da Cáritas Europa surge uma semana
depois de Ban Ki-Moon ter assinalado o Dia Internacional para a Erradicação da
Pobreza passando em revista os números da tragédia global.
25 mil pessoas morrem todos os dias em consequência da fome e da pobreza
(dados da FAO)
Mais de mil milhões de pessoas vivem actualmente na pobreza extrema.
Ban Ki-Moon constatou que no actual clima de austeridade económica "o
financiamento das medidas de luta contra a pobreza corre perigo". E contudo,
sublinhou o secretário geral da ONU, este "é precisamente o momento para
proporcionar aos pobres o acesso aos serviços sociais, à segurança económica, ao
trabalho decente e à protecção social. Só assim poderemos contribuir para uma
sociedade mais forte e próspera e não equilibrando os orçamentos à custa dos
pobres".
Agora, o secretário geral da Cáritas Europa avisa-nos: "Estamos muito perto
do limite. A situação da Grécia, com violência nas ruas, ou os protestos em
Espanha e Portugal, demonstram que se se continua a aplicar as receitas da
austeridade é a coesão social que se ressente". Jorge Nuño aponta o caso da
Islândia "onde foi a tomada a decisão de proteger primeiro os mais fracos,
repartindo o sofrimento até ao topo. Essa decisão estratégica não foi ainda
seguida pelo resto da Europa".
Nesse caso, o que é que ele prevê que aconteça? "Podemos deparar-nos com
25% de pobres e uma percentagem semelhante de pessoas com medo de perder tudo.
Metade da população começa a duvidar do modo como está a ser gerido o bem
comum".
Ora, conclui o secretário geral da Cáritas Europa, "se isto não muda, no
melhor dos casos haverá uma parte da população que ficará à margem, para
sempre".
Ainda intrigado com a expressão "no melhor dos casos", nem sei se pergunte
"por que é isto não muda?".
Fernando Alves escreve no português anterior ao acordo ortográfico.