quarta-feira, outubro 31, 2012

 

À margem, para sempre

29 OUT 12

"Se isto não muda, parte da população ficará à margem para sempre". O aviso é de Jorge Nuño, secretário geral da Cáritas Europa, em entrevista ao jornal espanhol ABC.
"Em todo o lado", diz Jorge Nuño, "os pobres estão a ser esquecidos". O secretário geral da Cáritas Europa acredita que a situação que conduziu a esta crise está a levar ao limite a coesão social em toda a Europa. Mas ele não aponta o dedo só a Bruxelas: "Quase sempre são os estados membros que tomam as principais decisões e depois culpam Bruxelas". E lembra, a propósito, os enormes esforços feitos para que, na Estratégia para 2020, cheia de objectivos macroeconómicos e de defesa do ambiente, surgisse como um desafio europeu tirar 20 milhões de pessoas da pobreza. E Jorge Nuño partilha a expectativa de que, ao contrário, o número de pobres aumente, na maior parte dos países da Europa, incluindo a Alemanha.
Ele recorda o percurso das últimas três décadas: a Europa cresceu nos anos 80, expandindo uma sociedade de bem estar, mas a partir dos anos 90 manteve esse padrão aumentando a dívida pública, sem contrariar o aumento das desigualdades e sem "garantir os meios para investir nas pessoas e assegurar uma economia sustentável, sobretudo na educação. Quando chegaram as medidas de ajustamento, os mais prejudicados foram os mais fracos".
Este sinal de alarme do secretário geral da Cáritas Europa surge uma semana depois de Ban Ki-Moon ter assinalado o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza passando em revista os números da tragédia global.
25 mil pessoas morrem todos os dias em consequência da fome e da pobreza (dados da FAO)
Mais de mil milhões de pessoas vivem actualmente na pobreza extrema.
Ban Ki-Moon constatou que no actual clima de austeridade económica "o financiamento das medidas de luta contra a pobreza corre perigo". E contudo, sublinhou o secretário geral da ONU, este "é precisamente o momento para proporcionar aos pobres o acesso aos serviços sociais, à segurança económica, ao trabalho decente e à protecção social. Só assim poderemos contribuir para uma sociedade mais forte e próspera e não equilibrando os orçamentos à custa dos pobres".
Agora, o secretário geral da Cáritas Europa avisa-nos: "Estamos muito perto do limite. A situação da Grécia, com violência nas ruas, ou os protestos em Espanha e Portugal, demonstram que se se continua a aplicar as receitas da austeridade é a coesão social que se ressente". Jorge Nuño aponta o caso da Islândia "onde foi a tomada a decisão de proteger primeiro os mais fracos, repartindo o sofrimento até ao topo. Essa decisão estratégica não foi ainda seguida pelo resto da Europa".
Nesse caso, o que é que ele prevê que aconteça? "Podemos deparar-nos com 25% de pobres e uma percentagem semelhante de pessoas com medo de perder tudo. Metade da população começa a duvidar do modo como está a ser gerido o bem comum".
Ora, conclui o secretário geral da Cáritas Europa, "se isto não muda, no melhor dos casos haverá uma parte da população que ficará à margem, para sempre".
Ainda intrigado com a expressão "no melhor dos casos", nem sei se pergunte "por que é isto não muda?".
Fernando Alves escreve no português anterior ao acordo ortográfico.

Um concerto na escuridão


http://www.jn.pt/blogs/festivaisdeverao/archive/2012/10/30/j-225-esteve-num-concerto-com-escurid-227-o-completa.aspx

Um casal de músicos cegos do Mali vai estar em Lisboa para um concerto que promete ser inolvidável: vai decorrer na total escuridão, sem luzes ou focos no palco ou fora dele. A intenção de Amadou & Mariam, invisuais desde muito novos, passa por tentar que a assistência absorva a música da mesma forma que eles a ouvem e sentem. "Se não consegues ver, a tua percepção do som é mais apurada", afirmou Amadou Bagayoko, cantor de 58 anos cego desde os 16.

O espetáculo intitula-se "Eclipse" e terá lugar no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a 18 de Novembro, um domingo, às 19 horas. Prevê-se uma experiência sensorial assinalável. Até as luzes de "saída de emergência" estarão apagadas. Além da ausência de qualquer luz, os nossos sentidos serão exacerbados com a propagação de aromas no ar. Consta que a sala será perfumada com um odor que recria o cheiro a terra quente de Bamako, a capital do Mali. Mais ainda: a percepção da temperatura ambiente também vai oscilar entre 15 e 30 graus celsius.

É claro que um espetáculo desta natureza acarreta medidas exepcionais. Por exemplo, toda a equipa de sala vai estar equipada com um sistema de visão noturna. "Em caso de emergência, desconforto, indisposição ou desorientação que provoque a necessidade de sair da sala, deverá o espetador agitar o programa no ar. Um assistente irá imediatamente ao seu encontro e prestará o auxílio necessário", lê-se no site da Fundação. Além disso, e "para garantir o êxito do espetáculo", afigura-se obrigatório respeitar determinadas regras: sacos, malas e casacos devem ser deixados no bengaleiro; "todos os equipamentos passíveis de emitir luz, som ou vibração (telemóveis, relógios, etc.) deverão estar desligados e é absolutamente proibido "qualquer dispositivo de gravação vídeo ou som". Após o início do concerto, não será possível a entrada ou reentrada na sala.

"Eclipse" terá a duração de 75 minutos e apresentará um repertório que pretende contar o trajeto de vida e obra da dupla. Com mais seis músicos em palco (entre os quais, Mamadou Diabaté, primo do magnífico Toumani Diabaté), não vão faltar as canções mais emblemáticas, que na última década têm conquistado fãs em todo o planeta. Amadou & Mariam são das mais entusiasmantes propostas do continente africano e já colaboraram com nomes como Manu Chao ou Damon Albarn, dos Blur. Fazem uma espécie de pop colorida e soalheira temperada com ritmos tradicionais do Mali e aberta a ramificações várias.
Ainda há bilhetes à venda no site da Fundação Calouste Gulbenkian

domingo, outubro 28, 2012

Chula da Liberdade


Veris Leta Facies - Carmina Burana (3) - Carl Orff



Veris leta facies
mundo propinatur,
hiemalis acies
victa iam fugatur,
in vestitu vario
Flora principatur,
nemorum dulcisono
que cantu celebratur.

Flore fusus gremio
Phebus novo more
risum dat, hoc vario
iam stipate flore.
Zephyrus nectareo
spirans in odore.
Certatim pro bravio
curramus in amore.

Cytharizat cantico
dulcis Philomena,
flore rident vario
prata iam serena,
salit cetus avium
silve per amena,
chorus promit virginum
iam gaudia millena.

quinta-feira, outubro 25, 2012

Pouco falta


terça-feira, outubro 23, 2012

Eccehomo

http://lounge.obviousmag.org/luelmos/2012/10/eccehomo.html?fb_comment_id=fbc_162828257191950_425402_162964363845006#fae20f487dcd7a

Eccehomo

por em 23 de out de 2012 às 01:27
Tornou-se famosa, mas sem intenção. Cecília Gimenez foi criticada e louvada. O seu "Eccehomo", débeis talentos artísticos e pouco ou nenhum senso comum, correram o mundo. Mas agora, finalmente consciente do grande impacto que a sua ingénua iniciativa despoletou, pede direitos de autora. O que começou por ser fervor religioso, transformou-se em negócio. O que acha o mundo disto?
Cecília Gimenez, uma mulher espanhola de 81 anos, esteve debaixo dos holofotes da comunicação social durante várias semanas após ter arruinado, segundo uns, ou recriado, segundo outros, um fresco do século XIX, que representava Jesus Cristo, “Eccehomo”, na igreja da Misericórdia, em Borja, Zaragoza.
asn___t_happy_with_how_long_it_was_taking_to_restore____Ecce_Homo____in_her_church_in_Spain__so_she_took_out_her_brush_and_went_to_work__374620986.jpg
Muitos consideraram-no um atentado 'terrorista'. Além de arruinar um fresco original do século XIX, dificilmente recuperável, Cecília atentou também à moralidade e religiosidade de muitos. Sendo ela apenas e não mais que uma paroquiana devota, sem qualquer formação na área de restauro, e não tendo o aval colectivo dos demais paroquianos para o efeito, Cecília, ainda assim, pegou nos seus pincéis e tintas e tentou recuperar o Cristo que há muito, segundo ela, estava em decadência.
A intenção seria boa, não fosse o seu pouco ou nenhum talento para a representação figurativa e tendo transformado “Eccehomo” numa pintura digna de uma menina de 5 anos. Feições distorcidas, volumetria perdida e cores empasteladas, cobrindo totalmente a pintura original, a igreja da Misericórdia perde para sempre uma das suas obras mais emblemáticas. Acto este cujo autor original, Elias Garcia, não haveria de ter aprovado.
Mas este peculiar e deformado Cristo está agora numa das paredes mais visíveis da igreja, que é já destino de centenas de curiosos.
Contudo, se por um lado houve milhares de pessoas que ‘crucificaram’ o acto de Cecília, por outro lado, houve milhares que se regozijaram com ele. Afinal de contas, deu que falar.
Em Espanha, e não só, muitos pedem que a obra se mantenha como actualmente se encontra. De entre as muitas considerações, a opinião generalizada é de que se tratou de uma acto ingénuo, nascendo dele uma obra ao estilo ‘naif’, que em poucos instantes se tornou, igualmente, em Pop Art. Canecas, t-shirts, posters, e os mais variados objectos, surgiram com o novo "Eccehomo". O Facebook foi invadido por brincadeiras, piadas e dissertações sobre o acontecimento. E o local que anteriormente era visitado apenas por paroquianos locais e turistas ocasionais, enche-se agora de gente de todos os lados, em busca do tal novo "Eccehomo".
PopArt.jpg

Matisse terá dito que a exactidão não é a 'verdade', “Temos que ver a vida como se fossemos meninos”; Picasso proclamou “ Um quadro bom no meio de quadros maus acaba por se transformar num mau quadro. E um quadro mau no meio de quadros bons acaba por se tornar um bom quadro.” Já Andy Warhol, o pai da Pop Art, dizia que nunca se poderia prever o tipo de reacções emocionais que determinadas obras provocariam no público, e que o valor das mesmas estava nessa não-antevisão do futuro e nas reacções emocionais, positivas ou negativas, que surgiriam, “O importante é criar vida.”
Um artista é alguém que produz coisas de que as pessoas não têm necessidade, mas que ele, por qualquer razão, pensa ser uma boa ideia oferecer-lhes. Cecília terá sido guiada por esta premissa. Talvez não seguindo um pensamento artístico, mas por um sentimento religioso de preservar a imagem do seu ídolo.
Se ela pode ser considerada artista ou não, está no livre julgamento de cada um, se ela deve ser julgada por ter destruído uma obra já existente, estará, igualmente, no livre julgamento de cada um. Se ela merece reconhecimento e futuros ganhos pela obra produzida já é mais controverso, pois ainda correremos o risco de ser invadidos por restauradores autodidactas em busca dos seus 5 minutos de fama e de perdermos muitas obras valiosas.
Contudo, rir faz bem. E ela, por certo, conseguiu, intencionalmente ou não, o riso de muitos. E conseguiu também eternizar as já eternizadas questões: “O que é Arte?” e “O que é moral?”.

domingo, outubro 21, 2012

quinta-feira, outubro 18, 2012

Fortune Plango Vulnera - Carmina Burana (2) - Carl Orff



Fortune plango vulnera
stillantibus ocellis
quod sua michi munera
subtrahit rebellis.
Verum est, quod legitur,
fronte capillata,
sed plerumque sequitur
occasio calvata.In Fortune solio
sederam elatus,
prosperitatis vario
flora coronatus;
quicquid enim florui
felix et beatus,
nunc a summo corrui
gloria privatus.

Fortune rota volvitur:
descendo minoratus;
alter in altum tollitur;
nimis exaltatus
rex sedet in vertice
caveat ruinam!
nam sub axe legimus
Hecubam regina

O Fortuna - Carmina Burana (1) - Carl Orff




O fortuna,
Velut luna
Statu variabilis,
Semper crescis
Aut decrescis;
Vita detestabilis
Nunc obdurat
Et tunc curat
Ludo mentis aciem,
Egestatem,
Potestatem
Dissolvit ut glaciem.

Sors immanis
Et inanis,
Rota tu volubilis
Status malus,
Vana salus
Semper dissolubilis,
Obumbrata
Et velata
Michi quoque niteris,
Nunc per ludum
Dorsum nudum
Fero tui sceleris.

Sors salutis sorte,
Et virtutis
Michi nunc contraria,
Est affectus
Et defectus
Semper in angaria;
Hac in hora
Sine mora
Corde pulsum tangite,
Quod per sortem
Sternit fortem
Mecum omnes plangite.

terça-feira, outubro 16, 2012

Ler Arsénio Mota

http://arseniomota.blogspot.pt/2012/10/a-edicao-literaria-hoje.html?spref=fb

A edição literária, hoje



A cambalhota foi rápida. Efetivou-se nuns meses, de modo que o setor da edição literária nacional ficou virado de pernas para o ar. Já lá vão uns três anos e resta por aí ainda quem, escrevendo ou lendo livros, não tenha percebido claramente o que aconteceu e, portanto, estranhe a situação.
As principais editoras caíram na mão do poder financeiro. O livro reduziu ou perdeu de todo a sua dignidade cultural, transformando-se em objeto de negócio puramente lucrativo. Os autores literários mediáticos passaram a produzir para o mercado e os sobrantes viram-se obrigados a aceitar a condição de supranumerários senão mesmo a invisibilidade.
As consequências objetivas da viragem tinham de ser desastrosas nos planos da cultura e de uma normal renovação das linguagens literárias. Os autores de best-sellers, os nossos e os outros, proclamados escritores profissionais, produzem as obras (romances, muitos romances) que o mercado gosta de consumir depressa e em quantidades o mais possível industriais. Os editores querem que sejam os autores a vender com a força da sua imagem mediática e diligência aplicada no terreno, enquanto os próprios autores, profissionalizados, se tornam necessariamente produtores de obras vendáveis por «encomenda» do mercado.
Num pequeno país e, para mais, afundado em profunda crise, cabem poucos autores de best-sellers. A máquina da edição literária lança o preciso para funcionar e refuga os demais (não lucrativos). A comunicação social, orientada para a atualidade mediática que chama às luzes da ribalta os autores badalados, segue na corrente que, por outro lado, a inexistência de uma crítica pronta e atuante deixa correr sem baias.
O resultado ficou à vista. Os leitores, pegando nos livros à venda em supermercados, correios, papelarias e etc. (isto é, consumindo o que lhes metem pelos olhos dentro), estratificam o gosto em leituras padronizadas, feitas para eles pelos fabricantes de textos seguindo indicações estratégicas do marketing. Em suma, a edição literária torna-se monocórdica e repetitiva tanto quanto a imprensa, também caída em poucas mãos convenientes, é tendenciosa e unilateral.
O número das editoras e chancelas em atividade cresceu até à desmesura e a quantidade total dos livros novos publicados a cada ano causa verdadeira estupefacção. As lojas e barracas de saldos de volumes a pataco mal esvaziam os armazéns atulhados com verbos de encher. Nas livrarias, os clientes arreliam-se porque, entre tanta livralhada, falta lá espaço para as obras de autores clássicos ou mesmo para obras lançadas há dois ou três meses e, se querem encomendar, o livreiro faz má cara - a distribuição está num caos.
Predomina na paisagem o preciosismo da escrita criativa com talento para extrair de banalidades imenso suco de barbatana. Anemiza-se o envolvimento social do narrador, a palpitação humana autêntica na união sincera da arte com a vida. Boa escrita (liofilizada) não serve a boa literatura.
A intensificação da circulação desta literatura (dita descartável, light) espalha no terreno consequências indesejáveis a vários níveis. A mais saliente consistirá na imposição de um tipo de «cultura popular» capaz de submergir a cultura popular de raiz. Contribuirá também para estratificar nos seus leitores o conformismo ideológico, a debilidade do sentido crítico, o consumismo acéfalo.
Nesta situação confusa, ficam condenados a uma marginalidade nada inocente bons autores interventivos carecidos de «vedetismo» porque vendem pouco e devagar. Tinham editoras, leitores, renome, e a cambalhota reduziu-os quase ao emudecimento. Na sua visceral solidão, vêem-se constrangidos a conservar inéditos originais que não tiram da gaveta.
Mas agora são abundantes, numerosíssimos, os novos «escritores». Surgem e multiplicam-se pelos quatro cantos, parece que está na moda isso de publicar livros e qualquer estreante os publica, pagando a edição, com tiragens reduzidíssimas, do seu próprio bolso, e depois corre a vendê-los a conhecidos e vizinhos dos conhecidos. Escrevem, editam, distribuem e fazem venda direta - será este o caminho que resta aos autores não mediáticos?!
Quem isto escreve optou pela solução que se sabe: publica os seus livros com formato e-book numa plataforma da Internet. Nesse escaparate já alinhou dez títulos e pretende continuar. Os milhares de visitantes que os folheiam nada pagam ao autor mas deixam-no perfeitamente gratificado.
A conjuntura sociopolítica, dominada pelas ganâncias da máquina ultra e neoliberal que tudo oprime e devora, acicata a criatividade individual e coletiva. De qualquer modo, é preciso, é urgente elaborar respostas, rasgar saídas. A liberdade de expressão, a necessária renovação cultural e literária, e a democracia pedem-nas.

quinta-feira, outubro 11, 2012

Se "eles" quisessem

http://www.ionline.pt/liv/paul-krugman-era-possivel-acabar-esta-crise-ja-se-eles-quisessem?quicktabs_sidebar_tabs=0

Paul Krugman. Era possível acabar com esta crise já. Se “eles” quisessem

Por Ana Sá Lopes, publicado em 24 Set 2012 - 11:58 | Actualizado há 2 semanas 3 dias
Os instrumentos económicos existem mas a opinião política dominante proíbe o fim da crise. Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia, apela ao fim dessa corrente austeritária, sacrificial e assassina de empregos. Ana Sá Lopes leu e gostava de assinar por baixo
  • Paul Krugman
    D.R.
Nestes últimos três anos caiu-nos uma depressão em cima da cabeça, e o que fizemos? Procurámos culpados. O “viver acima das nossas possibilidades” e “os malefícios do endividamento” são duas cantigas populares dos últimos anos. E, no entanto, antes de a crise ter rebentado na América e de se ter propagado à Europa, o nível de endividamento de alguns dos países do sul da Europa, como Portugal e Espanha, tinha vindo a reduzir-se. Os gráficos estão lá e mostram que sim (como mostram que o gigante alemão também está fortemente endividado). Mas porque é que as pessoas não querem acreditar nisto? Nem sequer apreender o facto de terem sido “praticamente todos os principais governos” que, “nos terríveis meses que se seguiram à queda do banco de investimento Lehman Brothers, concordaram em que o súbito colapso das despesas do sector privado teria de ser contrabalançado e viraram-se então para uma política orçamental e monetária expansionista num esforço para limitar os danos”? A Comissão Europeia e a Alemanha estavam “lá”. E, de repente, tudo mudou.

terça-feira, outubro 09, 2012

A Inocência

A Inocência.
Duras as palavras de MIGUEL SOUSA TAVARES

Há alguns incompetentes, mas poucos inocentes
O que poderemos nós pensar quando, depois de tantos anos a exigir o fim das SCUT, descobrimos que, afinal, o fim das auto-estradas sem portagens ainda iria conseguir sair mais caro ao Estado?
Como caixa de ressonância daqueles que de quem é porta-voz (tendo há muito deixado de ter voz própria), o presidente da Comissão Europeia, o português Durão Barroso, veio alinhar-se com os conselhos da troika sobre Portugal: não há outro caminho que não o de seguir a “solução” da austeridade e acelerar as “reformas estruturais” — descer os custos salariais, liberalizar mais ainda os despedimentos e diminuir o alcance do subsídio de desemprego. Que o trio formado pelo careca, o etíope e o alemão ignorem que em Portugal se está a oferecer 650 euros de ordenado a um engenheiro electrotécnico falando três línguas estrangeiras ou 580 euros a um dentista em horário completo é mais ou menos compreensível para quem os portugueses são uma abstracção matemática. Mas que um português, colocado nos altos círculos europeus e instalado nos seus hábitos, também ache que um dos nossos problemas principais são os ordenados elevados, já não é admissível. Lembremo-nos disto quando ele por aí vier candidatar-se a Presidente da República.
Durão Barroso é uma espécie de cata-vento da impotência e incompetência dos dirigentes europeus. Todas as semanas ele cheira o vento e vira-se para o lado de onde ele sopra: se os srs. Monti, Draghi, Van Rompuy se mostram vagamente preocupados com o crescimento e o emprego, lá, no alto do edifício europeu, o cata-vento aponta a direcção; se, porém, na semana seguinte, os mesmos senhores mais a srª Merkel repetem que não há vida sem austeridade, recessão e desemprego, o cata-vento vira 180 graus e passa a indicar a direcção oposta. Quando um dia se fizer a triste história destes anos de suicídio europeu, haveremos de perguntar como é que a Europa foi governada e destruída por um clube fechado de irresponsáveis, sem uma direcção, uma ideia, um projecto lógico. Como é que se começou por brincar ao directório castigador para com a Grécia para acabar a fazer implodir tudo em volta. Como é que se conseguiu levar a Lei de Murphy até ao absoluto, fazendo com que tudo o que podia correr mal tivesse corrido mal: o contágio do subprime americano na banca europeia, que era afirmadamente inviável e que estoirou com a Islândia e a Irlanda e colocou a Inglaterra de joelhos; a falência final da Grécia, submetida a um castigo tão exemplar e tão inteligente que só lhe restou a alternativa de negociar com as máfias russas e as Three Gorges chinesas; como é que a tão longamente prevista explosão da bolha imobiliária espanhola acabou por rebentar na cara dos que juravam que a Espanha aguentaria isso e muito mais; como é que as agências de notação, os mercados e a Goldman Sachs puderam livremente atacar a dívida soberana de todos os Estados europeus, excepto a Alemanha, numa estratégia concertada de cerco ao euro, que finalmente tornou toda a Europa insolvente. Ou como é que um pequeno país, como Portugal, experimentou uma receita jamais vista — a de tentar salvar as finanças públicas através da ruína da economia — e que, oh, espanto, produziu o resultado mais provável: arruinou uma coisa e outra. E como é que, no final de tudo isto, as periferias implodiram e só o centro — isto é, a Alemanha e seus satélites — se viu coberto de mercadorias que os seus parceiros europeus não tinham como comprar e atulhado em triliões de euros depositados pelos pobres e desesperados e que lhes puderam servir para comprar tudo, desde as ilhas gregas à água que os portugueses bebiam.
Deixemos os grandes senhores da Europa entregues à sua irrecuperável estupidez e detenhamo-nos sobre o nosso pequeno e infeliz exemplo, que nos serve para perceber que nada aconteceu por acaso, mas sim porque umas vezes a incompetência foi demasiada e outras a inocência foi de menos.
O que podemos nós pensar quando o ex-ministro Teixeira dos Santos ainda consegue jurar que havia um risco sistémico de contágio se não se nacionalizasse aquele covil de bandidos do BPN? Será que todo o restante sistema bancário também assentava na fraude, na evasão fiscal, nos negócios inconfessáveis para amigos, nos bancos-fantasmas em Cabo Verde para esconder dinheiro e toda a restante série de traficâncias que de há muito — de há muito! — se sabia existirem no BPN? E como, com que fundamento, com que ciência, pode continuar a sustentar que a alternativa de encerrar, pura e simplesmente, aquele vão de escada “faria recuar a economia 4%”? Ou que era previsível que a conta da nacionalização para os contribuintes não fosse além dos 700 milhões de euros?
O que poderemos nós pensar quando descobrimos que à despesa declarada e à dívida ocultada pelo dr. Jardim ainda há a somar as facturas escondidas debaixo do tapete, emitidas pelos empreiteiros amigos da “autonomia” e a quem ele prometia conseguir pagar, assim que os ventos de Lisboa lhe soprassem mais favoravelmente?
O que poderemos nós pensar quando, depois de tantos anos a exigir o fim das SCUT, descobrimos que, afinal, o fim das auto-estradas sem portagens ainda iria conseguir sair mais caro ao Estado? Como poderíamos adivinhar que havia uns contratos secretos, escondidos do Tribunal de Contas, em que o Estado garantia aos concessionários das PPP que ganhariam sempre X sem portagens e X+Y com portagens? Mas como poderíamos adivinhá-lo se nos dizem sempre que o Estado tem de recorrer aos serviços de escritórios privados de advocacia (sempre os mesmos), porque, entre os milhares de juristas dos quadros públicos, não há uma meia dúzia que consiga redigir um contrato em que o Estado não seja sempre comido por parvo?
A troika quer reformas estruturais? Ora, imponha ao Governo que faça uma lei retroactiva — sim, retroactiva — que declare a nulidade e renegociação de todos os contratos celebrados pelo Estado com privados em que seja manifesto e reconhecido pelo Tribunal de Contas que só o Estado assumiu riscos, encaixou prejuízos sem correspondência com o negócio e fez figura de anjinho. A Constituição não deixa? Ok, estabeleça-se um imposto extraordinário de 99,9% sobre os lucros excessivos dos contratos de PPP ou outros celebrados com o Estado. Eu conheço vários.
Quer outra reforma, não sei se estrutural ou conjuntural, mas, pelo menos, moral? Obrigue os bancos a aplicarem todo o dinheiro que vão buscar ao BCE a 1% de juros no financiamento da economia e das empresas viáveis e não em autocapitalização, para taparem os buracos dos negócios de favor e de influência que andaram a financiar aos grupos amigos.
Mais uma? Escrevam uma lei que estabeleça que todas as empresas de construção civil, que estão paradas por falta de obras e a despedir às dezenas de milhares, se possam dedicar à recuperação e remodelação do património urbano, público ou privado, pagando 0% de IRC nessas obras. Bruxelas não deixa? Deixa a Holanda ter um IRC que atrai para lá a sede das nossas empresas do PSI-20, mas não nos deixa baixar parte dos impostos às nossas empresas, numa situação de emergência? OK, Bruxelas que mande então fechar as empresas e despedir os trabalhadores. Cumpra-se a lei!
Outra? Proíbam as privatizações feitas segundo o modelo em moda, que consiste em privatizar a parte das empresas que dá lucro e deixar as “imparidades” a cargo do Estado: quem quiser comprar leva tudo ou não leva nada. E, já agora, que a operação financeira seja obrigatoriamente conduzida pela Caixa Geral de Depósitos (não é para isso que temos um banco público, por enquanto?). O quê, a Caixa não tem vocação ou aptidão para isso? Não me digam! Então, os administradores são pagos como privados, fazem negócios com os grandes grupos privados, até compram acções dos bancos privados e não são capazes de fazer o que os privados fazem? E, quanto à engenharia jurídica, atenta a reiterada falta de vocação e de aptidão dos serviços contratados em outsourcing para defenderem os interesses do cliente Estado, a troika que nos mande uma equipa de juristas para ensinar como se faz.


Tenho muitas mais ideias, algumas tão ingénuas como estas, mas nenhumas tão prejudiciais como aquelas com que nos têm governado. A próxima vez que o careca, o etíope e o alemão cá vierem, estou disponível para tomar um cafezinho com eles no Ritz. Pago eu, porque não tenho dinheiro para os juros que eles cobram se lhes ficar a dever.

O pulha


O PULHA


O pulha é um invertebrado que procura na ofensa a catarse do ódio e da frustração, que, adorando a ditadura, se serve da democracia, que molda com o esterco de que é feito os contornos dos bonecos que cria, que usa adjectivos para substituir as vértebras que lhe minguam e se antecipa a chamar aos outros o que é.

O pulha diz dos outros o que sabe de si próprio. O pulha coloca opiniões nos jornais a fingir que são notícias e é pago pela baixeza própria através das baixezas que imputa aos outros. O pulha adora que o acreditem e que as mentiras se transformem em dúvidas e as calúnias em incertezas.

O pulha é um serventuário que evita denunciar as avenças de que vive, o biltre que usa a liberdade para a atacar, que atribui aos outros o nojo que é, fazendo passar por factos as intrigas que tece e por verdades as calúnias que divulga.

O pulha é um professor dispensado da docência para insultar a mãe de um ministro ou o escriba em comissão de serviço num órgão de comunicação para corroer a democracia.

O pulha não nasce pulha. Faz-se, cresce e engorda com os detritos que bolça. Regurgita insultos criando retratos à sua imagem, acoimando de patifes os que inveja. É um filho de uma nota de cinco euros e da lascívia do acaso. O pulha é invejoso e vingativo.

O pulha vive na clandestinidade de um grupo partidário, nos meandros das máfias, nas estrebarias da insídia, aproveitando a calada da noite para arremessar a quem odeia as pedras de que se mune. Pode levar vida normal, aparecer na televisão e ter guarida num jornal; atira pedras e garante que está a ser agredido, incapaz de esquecer a sinecura que lhe negaram ou o cargo com que sonhou.

O pulha escuta os outros e diz que está a ser escutado. É um alcoviteiro e mentiroso. O pulha necessita de plateias cheias. Absolutas. O pulha é totalitário. O pulha é quem nos causa vómitos. O pulha leva-nos a descrer da democracia. O pulha escreve nos jornais e fala na televisão. O pulha torna-nos descrentes. Um pulha é sempre igual a outro pulha. E a outro. E são todos iguais. O pulha assusta porque é omnipresente e ataca sempre que pode. Seja a dar facadas nas costas dos eleitos, seja a criar ruídos de fundo, processos de intenção ou julgamentos sumários. O pulha é ruído de fundo e gosta de ser isso. E baba-se de gozo. Por narcisismo. Por ressentimento. Por ódio. Sabendo-se impune.

O pulha é um cobarde impiedoso. É sempre perverso, quando espuma ofensas ou quando ataca políticos. O pulha não tem vergonha. O pulha ouve incautos úteis e senis raivosos e tira conclusões. Depois diz que não concluiu e esconde-se atrás do que ouviu. O pulha porta-se como um labrego no jornal, como um boçal na televisão e é grosseiro nas entrevistas. O pulha é um mestre da pulhice. O pulha não tem moral. Por isso, para ele, a moral não conta. Tem a moral que lhe convém. Por isso pode defender qualquer moral. E fingir que tem moral. Ou que não a tem. O pulha faz mal aos outros. E gosta. E depois faz-se de sonso. O pulha rouba a honra que não tem e que dispensa.

O pulha é um furúnculo que há-de acabar como todo o mal. É uma metástase de um cancro que vive para corroer a democracia. É um conjunto de células malignas que se multiplicam no papel impresso e o esgoto que circula pela Internet a céu aberto.

O pulha é o talibã que fere e mata mas larga os explosivos depois de esconder o corpo. O pulha não é monárquico nem republicano, de esquerda ou de direita, ateu ou crente, é o verme que se alimenta da baba que segrega, do ódio que destila e das feridas que escarafuncha.

Um dia habituamo-nos ao pulha.

De Carlos Esperança



 

segunda-feira, outubro 08, 2012

Um convento precisa de muito ferro.


Um convento precisa de muito ferro.
 







 
Santiago de Compostela, 06 de Outubro de 2012

Carlos Paredes (1925 - 2004) "Raiz"


quinta-feira, outubro 04, 2012

Para que nunca seja tarde

http://blog-do-manel.blogspot.pt/2006/05/para-que-nunca-seja-tarde.html
Escrevi em 2006.

Só porque hoje senti o não querer compreender as mudanças e a indiferença em relação aos outros, me lembrei do poema de Bertolt Brecht, que de imediato pesquisei.

Para que nunca seja tarde.
Primeiro levaram os comunistas,
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.
Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque eu não sou operário.
 Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.
Logo a seguir chegou a vez
 De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.
Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.
(clicar sobre a imagem para ampliar)

quarta-feira, outubro 03, 2012

A mentira divina



A mentira divina

Escrevi em tempos aqui http://blog-do-manel.blogspot.pt/search?q=g%C3%A2ndara+posse ,o seguinte: “ Tivemos a grande mudança de posse e uso da terra no Liberalismo do século 19. Agora, à sobra do novo Liberalismo, teremos a ditadura financeira com a fome que tudo devora sobre esse bem que não se fabrica nem se pode multiplicar, que é a terra.”

Como a criação do dinheiro é produto duma dívida qualquer, pois para se criar dinheiro tem que criar dívida. O poder do dinheiro deixou de designar a posse da terra, das fábricas, dos meios de produção, é o poder de dívidas, para assim criar mais massa monetária e, com isso o Estado deixa de proteger a propriedade privada.
A dívida é agora sagrada e a constante catequese da inevitabilidade que passa pelas TVs já divinizou, também, a mentira.

O chamado pagamento da dívida soberana tem como objectivo o empobrecimento das pessoas e o manietar da Democracia.
É admirável, mas ainda há crentes!