Eccehomo
por Ana Luelmo em 23 de out de 2012 às 01:27
Cecília Gimenez, uma mulher espanhola de 81 anos, esteve debaixo dos holofotes da comunicação social durante várias semanas após ter arruinado, segundo uns, ou recriado, segundo outros, um fresco do século XIX, que representava Jesus Cristo, “Eccehomo”, na igreja da Misericórdia, em Borja, Zaragoza. Muitos consideraram-no um atentado 'terrorista'. Além de arruinar um fresco original do século XIX, dificilmente recuperável, Cecília atentou também à moralidade e religiosidade de muitos. Sendo ela apenas e não mais que uma paroquiana devota, sem qualquer formação na área de restauro, e não tendo o aval colectivo dos demais paroquianos para o efeito, Cecília, ainda assim, pegou nos seus pincéis e tintas e tentou recuperar o Cristo que há muito, segundo ela, estava em decadência.
A intenção seria boa, não fosse o seu pouco ou nenhum talento para a representação figurativa e tendo transformado “Eccehomo” numa pintura digna de uma menina de 5 anos. Feições distorcidas, volumetria perdida e cores empasteladas, cobrindo totalmente a pintura original, a igreja da Misericórdia perde para sempre uma das suas obras mais emblemáticas. Acto este cujo autor original, Elias Garcia, não haveria de ter aprovado.
Mas este peculiar e deformado Cristo está agora numa das paredes mais visíveis da igreja, que é já destino de centenas de curiosos.
Contudo, se por um lado houve milhares de pessoas que ‘crucificaram’ o acto de Cecília, por outro lado, houve milhares que se regozijaram com ele. Afinal de contas, deu que falar.
Em Espanha, e não só, muitos pedem que a obra se mantenha como actualmente se encontra. De entre as muitas considerações, a opinião generalizada é de que se tratou de uma acto ingénuo, nascendo dele uma obra ao estilo ‘naif’, que em poucos instantes se tornou, igualmente, em Pop Art. Canecas, t-shirts, posters, e os mais variados objectos, surgiram com o novo "Eccehomo". O Facebook foi invadido por brincadeiras, piadas e dissertações sobre o acontecimento. E o local que anteriormente era visitado apenas por paroquianos locais e turistas ocasionais, enche-se agora de gente de todos os lados, em busca do tal novo "Eccehomo".
Matisse terá dito que a exactidão não é a 'verdade', “Temos que ver a vida como se fossemos meninos”; Picasso proclamou “ Um quadro bom no meio de quadros maus acaba por se transformar num mau quadro. E um quadro mau no meio de quadros bons acaba por se tornar um bom quadro.” Já Andy Warhol, o pai da Pop Art, dizia que nunca se poderia prever o tipo de reacções emocionais que determinadas obras provocariam no público, e que o valor das mesmas estava nessa não-antevisão do futuro e nas reacções emocionais, positivas ou negativas, que surgiriam, “O importante é criar vida.”
Um artista é alguém que produz coisas de que as pessoas não têm necessidade, mas que ele, por qualquer razão, pensa ser uma boa ideia oferecer-lhes. Cecília terá sido guiada por esta premissa. Talvez não seguindo um pensamento artístico, mas por um sentimento religioso de preservar a imagem do seu ídolo.
Se ela pode ser considerada artista ou não, está no livre julgamento de cada um, se ela deve ser julgada por ter destruído uma obra já existente, estará, igualmente, no livre julgamento de cada um. Se ela merece reconhecimento e futuros ganhos pela obra produzida já é mais controverso, pois ainda correremos o risco de ser invadidos por restauradores autodidactas em busca dos seus 5 minutos de fama e de perdermos muitas obras valiosas.
Contudo, rir faz bem. E ela, por certo, conseguiu, intencionalmente ou não, o riso de muitos. E conseguiu também eternizar as já eternizadas questões: “O que é Arte?” e “O que é moral?”.
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