segunda-feira, janeiro 06, 2020

in perpetuam rei memoriam


Foto de 28-12-2019


in perpetuam rei memoriam


“NESTE RESTO DO VELHO CLAUSTRO
DA SÉ ONDE TEVE O SEU BERÇO A SAN-
TA CASA DA MESIRICORDIA, MANDOU ES
TA IRMANDADE COM A DEVIDA PREMIS-
SÃO DO EX. CABIDO COLLOCAR ESTA
LAPIDE EM MEMORIA DO 4 CENTENA-
RIO DA SUA FUNDAÇÃO”

Assim gravadas numa placa de mármore fixa a uma outra de granito, toda ela cheia de verdete do musgo, ali no chão, onde caem os pingos chuva, encostada à parede do lado poente do claustro.
Abaixo da gravação no mármore que também se encontra esverdeado pelo musgo comum, onde parte das letras em baixo relevo já perderam a tinta negar que lhes dava algum realce original, cravado ao granito o logotipo da Santa Casa da Misericórdia do Porto feito em bronze, este ainda com a cor da patine de origem, composto de dois escudos lado a lado, sendo um dos escudos de Portugal e o outro da esquerda da Senhora que cobre com o seu manto misericordioso as muralhas fernandinas da cidade, encimado pela coroa de Cristo. Nas fitas entrelaçadas os dizeres “SANTA CASA DA MISIRICORDIA DO PORTO”.
Em baixo e em relevo está escrito a bronze, sendo este coberto pelo musgo que aumenta à medida que se aproxima chão húmido do tempo, o que torna difícil a leitura.
EM MEMÓRIA DO QUINTO CENTENÁRIO
DA FUNDAÇÃO DA SANTA CASA DA
MESIRICÓRDIA DO PORT
1499-1999
                                                                                    14 DE MARÇO
Uma placa comemorativa, tipo duas em uma, mais para indicar a permissão da sua localização na sua comemoração do quarto centenário, arrancada a uma parede do Claustro e agora pregada a uma outra de granito ali encostada, a para esquecimento desmemoriado pelas alterações das relações de poderes, e recordar que em tempos habitante do Paço era um autêntico monarca e o de hoje ainda o desejaria ser apesar da república que é a Santa Casa da Misericórdia do Porto lhe querer, mais uma vez, o tempo da fundação no espaço que há um controlo, e que assim fixa pelo chão do esquecimento, e não toma posse nem de uma parede sequer, pequeno espaço simbólico.
Hoje desmemoriam mais vinte anos que quatro séculos, que tudo é pó e desaparece.
Os sarcófagos em granito ali abertos, destampados, ao redor do claustro. Voltam a ser o que sempre fora, isto é, pedra de grão grosseiro talhada a malhete e ponteiro, apresenta-se ainda mais áspera, coisa que as máquinas de hoje conseguiriam da finura do usa e deita fora a uma rocha plutónica formada no início dos tempos dos magmas, em condições de temperatura únicas.
O pó dos que com pompa e circunstância repousaram naqueles sarcófagos, ele próprio perdeu a memória, indo a esmo pela cidade fora nas pontas das vassouras.

Ali está encostada cheia de verdete do musgo que se prende e afinca nos poros do granito que foi serrado naquelas potentes serrações mecânica para pedra. Se estivesse colocado do lado onde nasce o sol, como a Sé está orientada seguindo as leis da geometria da construção, ainda apanharia o sol do meio-dia ao ocaso. Mas não, está do lado poente onde a humidade da tarde se acoita vinda da neblina que demora a sair do Douro pela manhã, e só se espanta lá pelo meio-dia. A placa de granito não tem furos de fixação, nunca foi para a parede como foi a de mármore agora solidária a ela. Talvez nem fosse para ir para a parede.

Um dia destes, todo aquele claustro irá sofrer uma limpeza, um rearranjo para aquela exposição comemorativa a céu aberto. Levará a barrela devida, que de apoios ninguém é servido, e tudo será limpo. E enxaguado. A placa dupla sairá dali para se limpa a agulheta de água a alta pressão que levará para o bueiro o musgo que a cobrirá e o que resta da tinta negra nas gravações em baixo relevo, tudo para o encontro subterrâneo de outros escoadouros, direito ao rio e ao mar.
Ficará limpa e encostada a uma parede do estaleiro das limpezas, poiso provisório, à espera de outro destino. As obras continuarão, e na data de inauguração desse evento futuro teremos a ordem usada do “ fora de cena quem não é de cena”, e terminará a existência da memória do quarto e do quinto centenário que, com a devida permissão do Cabido, estava encostada à parede do lado ocidental do Claustro da Sé do Porto.
Ninguém mais se lembrará de tal coisa, com a memória esfumada há muito, pela poeira do Mundo.


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