Foto de 28-12-2019
in perpetuam rei memoriam
“NESTE RESTO DO VELHO CLAUSTRO
DA SÉ ONDE TEVE O SEU BERÇO A SAN-
TA CASA DA MESIRICORDIA, MANDOU ES
TA IRMANDADE COM A DEVIDA PREMIS-
SÃO DO EX. CABIDO COLLOCAR ESTA
LAPIDE EM MEMORIA DO 4 CENTENA-
RIO DA SUA FUNDAÇÃO”
Assim gravadas numa placa de mármore fixa a uma outra de granito, toda ela
cheia de verdete do musgo, ali no chão, onde caem os pingos chuva, encostada à parede do lado poente do claustro.
Abaixo da gravação no mármore que também se encontra esverdeado pelo musgo
comum, onde parte das letras em baixo relevo já perderam a tinta negar que lhes
dava algum realce original, cravado ao granito o logotipo da Santa Casa da
Misericórdia do Porto feito em bronze, este ainda com a cor da patine de
origem, composto de dois escudos lado a lado, sendo um dos escudos de Portugal
e o outro da esquerda da Senhora que cobre com o seu manto misericordioso as
muralhas fernandinas da cidade, encimado pela coroa de Cristo. Nas fitas
entrelaçadas os dizeres “SANTA CASA DA MISIRICORDIA DO PORTO”.
Em baixo e em relevo está escrito a bronze, sendo este coberto pelo musgo
que aumenta à medida que se aproxima chão húmido do tempo, o que torna difícil
a leitura.
EM MEMÓRIA DO QUINTO CENTENÁRIO
DA FUNDAÇÃO DA SANTA CASA DA
MESIRICÓRDIA DO PORT
1499-1999
14
DE MARÇO
Uma placa comemorativa, tipo duas em uma, mais para indicar a
permissão da sua localização na sua comemoração do quarto centenário, arrancada
a uma parede do Claustro e agora pregada a uma outra de granito ali encostada,
a para esquecimento desmemoriado pelas alterações das relações de poderes, e
recordar que em tempos habitante do Paço era um autêntico monarca e o de hoje ainda o
desejaria ser apesar da república que é a Santa Casa da Misericórdia do Porto
lhe querer, mais uma vez, o tempo da fundação no espaço que há um controlo, e
que assim fixa pelo chão do esquecimento, e não toma posse nem de uma parede
sequer, pequeno espaço simbólico.
Hoje desmemoriam mais vinte anos que quatro séculos, que tudo é pó e
desaparece.
Os sarcófagos em granito ali abertos, destampados, ao redor do claustro.
Voltam a ser o que sempre fora, isto é, pedra de grão grosseiro talhada a
malhete e ponteiro, apresenta-se ainda mais áspera, coisa que as máquinas de
hoje conseguiriam da finura do usa e deita fora a uma rocha plutónica formada
no início dos tempos dos magmas, em condições de temperatura únicas.
O pó dos que com pompa e circunstância repousaram naqueles sarcófagos, ele
próprio perdeu a memória, indo a esmo pela cidade fora nas pontas das
vassouras.
Ali está encostada cheia de verdete do musgo que se prende e afinca nos
poros do granito que foi serrado naquelas potentes serrações mecânica para pedra.
Se estivesse colocado do lado onde nasce o sol, como a Sé está orientada
seguindo as leis da geometria da construção, ainda apanharia o sol do meio-dia
ao ocaso. Mas não, está do lado poente onde a humidade da tarde se acoita vinda
da neblina que demora a sair do Douro pela manhã, e só se espanta lá pelo
meio-dia. A placa de granito não tem furos de fixação, nunca foi para a parede
como foi a de mármore agora solidária a ela. Talvez nem fosse para ir para a
parede.
Um dia destes, todo aquele claustro irá sofrer uma limpeza, um rearranjo
para aquela exposição comemorativa a céu aberto. Levará a barrela devida, que
de apoios ninguém é servido, e tudo será limpo. E enxaguado. A placa dupla
sairá dali para se limpa a agulheta de água a alta pressão que levará para o
bueiro o musgo que a cobrirá e o que resta da tinta negra nas gravações em
baixo relevo, tudo para o encontro subterrâneo de outros escoadouros, direito
ao rio e ao mar.
Ficará limpa e encostada a uma parede do estaleiro das limpezas, poiso
provisório, à espera de outro destino. As obras continuarão, e na data de
inauguração desse evento futuro teremos a ordem usada do “ fora de cena quem
não é de cena”, e terminará a existência da memória do quarto e do quinto
centenário que, com a devida permissão do Cabido, estava encostada à parede do
lado ocidental do Claustro da Sé do Porto.
Ninguém mais se lembrará de tal coisa, com a memória esfumada há muito, pela poeira do Mundo.