O eucalipto não foi uma
alternativa para a economia agrária, foi o seu fim
Investigador de
alterações climáticas
Agosto 24, 2016
Foi no dia 30 de Maio de 2013 que em
Conselho de Ministro Pedro Passos Coelho, Miguel Bento Macedo e Assunção
Cristas da Graça assinaram o Decreto-Lei nº 96/2013, que viria a ser conhecido
por Lei do Eucalipto. Os atuais líderes da oposição e o ex-ministro prestes a
ser julgado pelos Vistos Gold eram apenas os últimos de um longo rol de
responsáveis políticos que passavam atestados sucessivos de usufruto da
floresta nacional à fileira do eucalipto. Na vigência da nova Lei do Eucalipto,
foram plantados mais 23 mil 194 hectares de eucalipto desde 2013. Se esta área
fosse um município, seria o 138º maior do país, entre Montemor-o-Velho e Ponta
Delgada. Os eucaliptos representam 87,4% de todas as espécies plantadas desde
então, sendo o Pinheiro-Manso um longínquo 2º com 3,9% seguido pelo
Pinheiro-Bravo com 2,3%. Isto, é claro, são os números autorizados: das 1055
contra-ordenações florestais registadas, 481 foram plantações sem autorização
prévia e 502 foram plantações sem comunicação. Se juntarmos um número
incerto de plantações ilegais não detectadas e a expansão natural do eucalipto,
bastante visível um pouco por todo o território, ficamos com um número em
aberto, mas acima dos 850 mil hectares de eucaliptal no país, reforçando o
estatuto de árvore nacional e consolidando a espécie no número 1.
Recentemente, em resposta ao acordo de
governo, que inclui a revogação da lei dos eucaliptos, a CELPA, Associação da
Indústria da Celulose, liderada por Pedro Queiroz Pereira, respondeu que é
preciso aumentar a área de eucalipto, aproveitar as áreas abandonadas, porque o
futuro é plantar! E por isso não se pode revogar a lei, ou pelo menos se for
revogada, devem ser mantidas todas as suas características liberalizadoras ou
que sequer distingam o pobre eucalipto.
Desde que a lei foi aprovada, ocorreram
o ano mais quente desde que há registos, 2015, o segundo ano mais quente desde
que há registos, 2014, e o quarto ano mais quente desde que há registos, 2013.
2016 baterá com toda a probabilidade 2015 e será, uma vez mais, o ano mais quente desde que há
registos de temperatura no planeta, e em Portugal também. Uma
vez que não há até ao momento sinal de uma gigante viragem nas emissões de
gases com efeito de estufa (curiosamente o sector das celuloses está entre os maiores emissores), as
alterações climáticas tenderão a aumentar cada vez mais a temperatura. Portugal
está num hotspot de alterações climáticas, o que significa que aqui a
temperatura subirá mais que no resto do mundo e a precipitação reduzir-se-á na
maior parte do território. Assim sendo, e estando Portugal no Mediterrâneo,
zona de incêndios recorrentes, não existe a possibilidade de simplesmente
travá-los. As ignições ocorrem muito, criminais mas principalmente naturais e
por isso a fúria justiceira serve de pouco.
Aquilo que serve de alguma coisa é olhar
para a floresta. E quando dizemos olhar para a floresta em Portugal significa
olhar para eucaliptos e para incêndios, que são hoje as suas características
definidoras. Aproveitar a ignorância geral sobre a digestão dos ruminantes e
dizer que o que é preciso na floresta é cabras e que portanto a população
portuguesa resolvia o problema da floresta e dos incêndios tornando-se
estritamente comedora de cabras e ovelhas é inútil. As cabras não digerem as
folhas de eucalipto. Aliás, do nosso Eucalyptus globulus, nem os
koalas digerem as folhas. A nossa floresta não sobreviverá com extensões
infindáveis de eucaliptos em monocultura. Aliás, dizer que plantações de
eucalipto são florestas é um contra-senso, mas avancemos. Os eucaliptos são
mais atreitos aos incêndios, não porque são maus, mas porque são mais adaptados
a incêndios. E porque quando ardem os eucaliptais, ardem também as outras
árvores, que raramente sobrevivem aos incêndios e cujas áreas são depois
plantadas com... Eucaliptos. Ou abandonadas aos matos, que a CELPA quer plantar
com... Eucaliptos. A desonestidade de falar numa discriminação em Portugal
contra o eucalipto cai com dados simples: Portugal tem a maior área de
eucalipto relativo do mundo. Portugal tem a 5ª maior área absoluta de eucalipto
do mundo, só atrás da China, da Índia, do Brasil e da Austrália. A floresta
portuguesa foi entregue nas mãos da CELPA para usar como quiser.
O ciclo da insustentabilidade da
floresta é o rápido ciclo da vida do eucalipto: cresce rápido, corta rápido
para tentar extrair rapidamente os nutrientes e sobreviver ao próximo grande
incêndio, vai-se expandindo a área de eucalipto, vão-se expandindo as áreas de
incêndios até se darem os incêndios históricos que cortam a biomassa a níveis
de deserto e abrem espaço a mais eucaliptal, que retoma o ciclo do incêndio e
da substituição da vegetação autóctone. Foram assim os ciclos curtos e longos
dos incêndios: cada vez mais frequentes, cada vez queimando áreas maiores e
abrindo cada vez mais espaço ao eucaliptal. Na década de 80 o número de
ignições era 7380 e a área ardida anual de 73 mil hectares. Na década de 2000 o
número de ignições passou aos 24949 e a área ardida anual para para os 150 mil
hectares. O eucaliptal? Quase triplicou.
Ano
|
Área Ardida
|
Área eucaliptal
|
1981
|
99 mil ha
|
386 mil ha
|
1985
|
146 mil ha
|
386 mil ha
|
1991
|
182 mil ha
|
529 mil ha
|
1995
|
169 mil ha
|
672 mil ha
|
1998
|
158 mil ha
|
672 mil ha
|
2000
|
159 mil ha
|
713 mil ha
|
2003
|
425 mil ha
|
713 mil ha
|
2005
|
338 mil ha
|
785 mil ha
|
2010
|
133 mil ha
|
811 mil ha
|
2013
|
149 mil ha
|
812 mil ha
|
2016
|
103 mil ha (até meio de Agosto)
|
> 850 mil ha
|
Fonte:
Inventário Florestal Nacional 4, Inventário Florestal Nacional 5, Inventário
Florestal Nacional 6, ICNF, AFN
Isto permitiu às celuloses não terem
sequer de expandir as suas áreas próprias, apesar de quererem mais e mais
eucaliptos para produzir pasta. Mesmo os magros números de pessoas empregadas na celulose estão
a diminuir: 3581 pessoas em 2005, 3221 pessoas em 2010, 2743 pessoas em 2014. O
que as celuloses têm há muitos anos, por culpa da Lei do Eucalipto mas também
das suas antecessoras florestais, é os pequenos proprietários na mão, definindo
e controlando o que dá lucro, oferecendo o pouco escoamento de um meio rural
exangue, conformando o país e o território nacional à sua necessidade. Ao
contrário da publicidade do sector, o eucalipto não foi uma alternativa para a
economia agrária, foi o seu fim. Reduzindo as alternativas económicas dos cada
vez menos proprietários florestais, beneficiando-se de um regime florestal
feito à sua medida, de mini-propriedades abandonadas, invadidas naturalmente ou
plantadas com eucalipto por mão alheia, as celuloses sentaram-se a ver o país
arder sem que ninguém lhes pedisse contas. E porque haveria de pedir? As áreas
geridas pelas celuloses não ardem! O problema é que neste momento as áreas das
celuloses não são os seus 155 mil hectares, mas também os outros 700 mil de
eucaliptal, sobre os quais não têm qualquer responsabilidade, mas dos quais
recebem a sua matéria prima, as áreas que os sucessivos governos deram à CELPA
para a CELPA se governar.
Discutir incêndios, abandono florestal e
êxodo rural sem falar de uma economia de eucalipto que não precisa gente, não
precisa investimento e não precisa de emprego é falar de gambozinos. Os
incêndios florestais não são apenas fruto de má gestão, incúria, crime e falta
de meios para o combate. São o corolário necessário e inultrapassável de um
território desadaptado às condições climáticas em mutação, crescentemente
insustentável porque tem cada vez menos gente, cada vez mais abandono, porque
tem cada vez mais eucalipto e serve exclusivamente os interesses de uma
indústria que nem 3 mil pessoas emprega.
E assim, cada vez que houver matéria
combustível no chão (isto é, cada vez que não tenha havido um incêndio nos dois
anos anteriores), cada vez que estejam 40ºC dois dias consecutivos, com vento,
em que haja noite tropicais acima dos 20ºC, o número de dias de alerta vermelho
não parará de crescer. Com menos precipitação e menos humidade, os incêndios
suceder-se-ão. A certeza é que isto irá acontecer, não só pelo clima mediterrânico
histórico, mas pelo novo, mais quente e mais seco clima mediterrânico. Por
isso, há duas maneiras de travar incêndios: desistir de ter uma floresta e
arrancar tudo, ou adaptar a floresta ao novo clima. Isso implica reduzir a área
de eucalipto significativamente e implica passar a gerir as áreas abandonadas.
Significa desistir de acreditar em contos da carochinha de que o mercado ou os
proprietários resolverão esta questão por mais multas que se imponham (e cobrar
multas a falecidos, a emigrados ou a desempregados sem rendimento, alguma vez
funcionou?). Significa voltar a haver um Estado a tomar posse, no mínimo dos
mínimos, das áreas abandonadas. E significa construir uma floresta resistente
aos incêndios e resiliente, com árvores menos atreitas aos incêndios, que
formem ecossistemas que sirvam para que várias actividades possam ocorrer nessa
floresta, que produzam, sei lá, madeira para móveis, castanhas, frutos, sombra,
abrigo a espécies animais, aves, abelhas, que sustentem actividades que permitam
às pessoas viver nessa floresta e não depender de uma esmola das celuloses a
cada 7 anos, que lhes permita ter fontes variadas de rendimento e desenvolver
barreiras de corte e protecção contra incêndios. Este corte com o business
as usual é difícil. Mas é solução para o nosso problema. A alternativa
é permitir a manutenção e até expansão do eucaliptal, como quer a CELPA, e que
já tem vários investimentos em progressão com isso em mente: a ampliação da fábrica 2 da RENOVA em
Torres Novas, a instalação da Smooth – Fábrica de Papel Tissue em
Aveiro e a amplicação da Fábrica de Papel Tissue da
AMS e instalação da nova Fábrica de Papel "Tissue" da Paper Prime em
Vila Velha de Ródão. É o que temos. Papel higiénico como contrapartida. Travar
os incêndios ou ceder à ameaça de desvio de investimento, entregando
definitivamente o nosso território para que as celuloses o possam utilizar para
limpar o rabo.
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