sexta-feira, agosto 26, 2016

O eucalipto não foi uma alternativa para a economia agrária, foi o seu fim



O eucalipto não foi uma alternativa para a economia agrária, foi o seu fim

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Investigador de alterações climáticas

Agosto 24, 2016
Foi no dia 30 de Maio de 2013 que em Conselho de Ministro Pedro Passos Coelho, Miguel Bento Macedo e Assunção Cristas da Graça assinaram o Decreto-Lei nº 96/2013, que viria a ser conhecido por Lei do Eucalipto. Os atuais líderes da oposição e o ex-ministro prestes a ser julgado pelos Vistos Gold eram apenas os últimos de um longo rol de responsáveis políticos que passavam atestados sucessivos de usufruto da floresta nacional à fileira do eucalipto. Na vigência da nova Lei do Eucalipto, foram plantados mais 23 mil 194 hectares de eucalipto desde 2013. Se esta área fosse um município, seria o 138º maior do país, entre Montemor-o-Velho e Ponta Delgada. Os eucaliptos representam 87,4% de todas as espécies plantadas desde então, sendo o Pinheiro-Manso um longínquo 2º com 3,9% seguido pelo Pinheiro-Bravo com 2,3%. Isto, é claro, são os números autorizados: das 1055 contra-ordenações florestais registadas, 481 foram plantações sem autorização prévia e  502 foram plantações sem comunicação. Se juntarmos um número incerto de plantações ilegais não detectadas e a expansão natural do eucalipto, bastante visível um pouco por todo o território, ficamos com um número em aberto, mas acima dos 850 mil hectares de eucaliptal no país, reforçando o estatuto de árvore nacional e consolidando a espécie no número 1.

Recentemente, em resposta ao acordo de governo, que inclui a revogação da lei dos eucaliptos, a CELPA, Associação da Indústria da Celulose, liderada por Pedro Queiroz Pereira, respondeu que é preciso aumentar a área de eucalipto, aproveitar as áreas abandonadas, porque o futuro é plantar! E por isso não se pode revogar a lei, ou pelo menos se for revogada, devem ser mantidas todas as suas características liberalizadoras ou que sequer distingam o pobre eucalipto.

Desde que a lei foi aprovada, ocorreram o ano mais quente desde que há registos, 2015, o segundo ano mais quente desde que há registos, 2014, e o quarto ano mais quente desde que há registos, 2013. 2016 baterá com toda a probabilidade 2015 e será, uma vez mais, o ano mais quente desde que há registos de temperatura no planeta, e em Portugal também. Uma vez que não há até ao momento sinal de uma gigante viragem nas emissões de gases com efeito de estufa (curiosamente o sector das celuloses está entre os maiores emissores), as alterações climáticas tenderão a aumentar cada vez mais a temperatura. Portugal está num hotspot de alterações climáticas, o que significa que aqui a temperatura subirá mais que no resto do mundo e a precipitação reduzir-se-á na maior parte do território. Assim sendo, e estando Portugal no Mediterrâneo, zona de incêndios recorrentes, não existe a possibilidade de simplesmente travá-los. As ignições ocorrem muito, criminais mas principalmente naturais e por isso a fúria justiceira serve de pouco.

Aquilo que serve de alguma coisa é olhar para a floresta. E quando dizemos olhar para a floresta em Portugal significa olhar para eucaliptos e para incêndios, que são hoje as suas características definidoras. Aproveitar a ignorância geral sobre a digestão dos ruminantes e dizer que o que é preciso na floresta é cabras e que portanto a população portuguesa resolvia o problema da floresta e dos incêndios tornando-se estritamente comedora de cabras e ovelhas é inútil. As cabras não digerem as folhas de eucalipto. Aliás, do nosso Eucalyptus globulus, nem os koalas digerem as folhas. A nossa floresta não sobreviverá com extensões infindáveis de eucaliptos em monocultura. Aliás, dizer que plantações de eucalipto são florestas é um contra-senso, mas avancemos. Os eucaliptos são mais atreitos aos incêndios, não porque são maus, mas porque são mais adaptados a incêndios. E porque quando ardem os eucaliptais, ardem também as outras árvores, que raramente sobrevivem aos incêndios e cujas áreas são depois plantadas com... Eucaliptos. Ou abandonadas aos matos, que a CELPA quer plantar com... Eucaliptos. A desonestidade de falar numa discriminação em Portugal contra o eucalipto cai com dados simples: Portugal tem a maior área de eucalipto relativo do mundo. Portugal tem a 5ª maior área absoluta de eucalipto do mundo, só atrás da China, da Índia, do Brasil e da Austrália. A floresta portuguesa foi entregue nas mãos da CELPA para usar como quiser.

O ciclo da insustentabilidade da floresta é o rápido ciclo da vida do eucalipto: cresce rápido, corta rápido para tentar extrair rapidamente os nutrientes e sobreviver ao próximo grande incêndio, vai-se expandindo a área de eucalipto, vão-se expandindo as áreas de incêndios até se darem os incêndios históricos que cortam a biomassa a níveis de deserto e abrem espaço a mais eucaliptal, que retoma o ciclo do incêndio e da substituição da vegetação autóctone. Foram assim os ciclos curtos e longos dos incêndios: cada vez mais frequentes, cada vez queimando áreas maiores e abrindo cada vez mais espaço ao eucaliptal. Na década de 80 o número de ignições era 7380 e a área ardida anual de 73 mil hectares. Na década de 2000 o número de ignições passou aos 24949 e a área ardida anual para para os 150 mil hectares. O eucaliptal? Quase triplicou.

Ano
Área Ardida
Área eucaliptal
1981
99 mil ha
386 mil ha
1985
146 mil ha
386 mil ha
1991
182 mil ha
529 mil ha
1995
169 mil ha
672 mil ha
1998
158 mil ha
672 mil ha
2000
159 mil ha
713 mil ha
2003
425 mil ha
713 mil ha
2005
338 mil ha
785 mil ha
2010
133 mil ha
811 mil ha
2013
149 mil ha
812 mil ha
2016
103 mil ha (até meio de Agosto)
> 850 mil ha
Fonte: Inventário Florestal Nacional 4, Inventário Florestal Nacional 5, Inventário Florestal Nacional 6, ICNF, AFN

Isto permitiu às celuloses não terem sequer de expandir as suas áreas próprias, apesar de quererem mais e mais eucaliptos para produzir pasta. Mesmo os magros números de pessoas empregadas na celulose estão a diminuir: 3581 pessoas em 2005, 3221 pessoas em 2010, 2743 pessoas em 2014. O que as celuloses têm há muitos anos, por culpa da Lei do Eucalipto mas também das suas antecessoras florestais, é os pequenos proprietários na mão, definindo e controlando o que dá lucro, oferecendo o pouco escoamento de um meio rural exangue, conformando o país e o território nacional à sua necessidade. Ao contrário da publicidade do sector, o eucalipto não foi uma alternativa para a economia agrária, foi o seu fim. Reduzindo as alternativas económicas dos cada vez menos proprietários florestais, beneficiando-se de um regime florestal feito à sua medida, de mini-propriedades abandonadas, invadidas naturalmente ou plantadas com eucalipto por mão alheia, as celuloses sentaram-se a ver o país arder sem que ninguém lhes pedisse contas. E porque haveria de pedir? As áreas geridas pelas celuloses não ardem! O problema é que neste momento as áreas das celuloses não são os seus 155 mil hectares, mas também os outros 700 mil de eucaliptal, sobre os quais não têm qualquer responsabilidade, mas dos quais recebem a sua matéria prima, as áreas que os sucessivos governos deram à CELPA para a CELPA se governar.

Discutir incêndios, abandono florestal e êxodo rural sem falar de uma economia de eucalipto que não precisa gente, não precisa investimento e não precisa de emprego é falar de gambozinos. Os incêndios florestais não são apenas fruto de má gestão, incúria, crime e falta de meios para o combate. São o corolário necessário e inultrapassável de um território desadaptado às condições climáticas em mutação, crescentemente insustentável porque tem cada vez menos gente, cada vez mais abandono, porque tem cada vez mais eucalipto e serve exclusivamente os interesses de uma indústria que nem 3 mil pessoas emprega.

E assim, cada vez que houver matéria combustível no chão (isto é, cada vez que não tenha havido um incêndio nos dois anos anteriores), cada vez que estejam 40ºC dois dias consecutivos, com vento, em que haja noite tropicais acima dos 20ºC, o número de dias de alerta vermelho não parará de crescer. Com menos precipitação e menos humidade, os incêndios suceder-se-ão. A certeza é que isto irá acontecer, não só pelo clima mediterrânico histórico, mas pelo novo, mais quente e mais seco clima mediterrânico. Por isso, há duas maneiras de travar incêndios: desistir de ter uma floresta e arrancar tudo, ou adaptar a floresta ao novo clima. Isso implica reduzir a área de eucalipto significativamente e implica passar a gerir as áreas abandonadas. Significa desistir de acreditar em contos da carochinha de que o mercado ou os proprietários resolverão esta questão por mais multas que se imponham (e cobrar multas a falecidos, a emigrados ou a desempregados sem rendimento, alguma vez funcionou?). Significa voltar a haver um Estado a tomar posse, no mínimo dos mínimos, das áreas abandonadas. E significa construir uma floresta resistente aos incêndios e resiliente, com árvores menos atreitas aos incêndios, que formem ecossistemas que sirvam para que várias actividades possam ocorrer nessa floresta, que produzam, sei lá, madeira para móveis, castanhas, frutos, sombra, abrigo a espécies animais, aves, abelhas, que sustentem actividades que permitam às pessoas viver nessa floresta e não depender de uma esmola das celuloses a cada 7 anos, que lhes permita ter fontes variadas de rendimento e desenvolver barreiras de corte e protecção contra incêndios. Este corte com o business as usual é difícil. Mas é solução para o nosso problema. A alternativa é permitir a manutenção e até expansão do eucaliptal, como quer a CELPA, e que já tem vários investimentos em progressão com isso em mente: a ampliação da fábrica 2 da RENOVA em Torres Novas, a instalação da Smooth – Fábrica de Papel Tissue em Aveiro e a amplicação da Fábrica de Papel Tissue da AMS e instalação da nova Fábrica de Papel "Tissue" da Paper Prime em Vila Velha de Ródão. É o que temos. Papel higiénico como contrapartida. Travar os incêndios ou ceder à ameaça de desvio de investimento, entregando definitivamente o nosso território para que as celuloses o possam utilizar para limpar o rabo.


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