O Syriza já está destruído, podemos agora salvar a
Grécia?
Chegará o momento em que tiraremos
as mãos das carteiras e as poremos na consciência. Chegará o momento em que já
não veremos os ricos que roubaram mas os pobres que ficaram. Em que não
quereremos ressarcimento mas reparação. Em que perceberemos que não se pede
sequer solidariedade, mas piedade. Em que nem os sádicos se divertirão com a
espetáculo degradante dos políticos gregos. A União Europeia foi longe de mais
na violência estéril e vingativa. Para destruir o Syriza está a ceifar-se um
povo. Já não é indignação, é súplica: SOS Grécia. E se tudo o resto falhar,
apele-se à inteligência, que não é de esquerda nem de direita, pois é preciso
mudar aquele plano que, além de horrível, é burro, é mau, é pior para todos.
Nos palácios de Bruxelas, nos sofás de Berlim ou mesmo nos bancos
de jardim de Lisboa permanece apetecível distribuir culpas e medir
ideologicamente o debate. Mas nas ruas de Atenas já passámos essa fase. Sobra o
desespero de saber que nada vai valer a pena porque pagar ou não pagar parece
indiferente, o tudo ou nada resultará sempre no pouco, no de menos, no
insuficiente, porque o plano não funciona. Repito: a Grécia vai ter uma
recessão pior do que a que os Estados Unidos viveram na Grande Depressão de
1929. Repito: o plano económico vai falhar porque foi concebido para falhar.
Repito: desistimos dos gregos e resistimos a ver o desastre encomendado.
O bloco liderado pela Alemanha ficou tão furioso com o desplante
do senhor Alexis Tsipras na marcação do referendo que quis devolver-lhe em
dobro a lição de superioridade. Até se percebe a fúria, que segundo os relatos
da reunião de domingo do Eurogrupo fez com que o senhor Wolfgang Schäuble
berrasse. Alexis Tsipras foi arrogante, marcou um referendo pérfido e achou-se
nimbado de invencibilidade com os resultados, como se fosse dar uma tareia
moral aos demais estados membros. Mas a Alemanha quis tanto destruir o Syriza,
por vingança e por dissuasão a que outros países elejam partidos radicais, que
perdeu a noção da força. Mais um pacote recessivo vai destruir mais economia e
mais emprego numa economia já exangue.
A vitória sobre Tsipras foi retumbante. Até o perdão da dívida,
que o Syriza sempre reivindicou, é agora formalmente admitida pelo FMI, mas de
forma a culpar o partido, que não tem nada para mostrar. É ridículo ouvir
Alexis Tsipras dizer que assinou um acordo em que descrê. É degradante vê-lo
tripudiar o próprio Syriza e ancorar-se nos deputados dos partidos que detesta
e que o detestam a ele. É assustador ouvir a presidente do Parlamento (que pertence
ao Syriza e se junta aos 40 deputados que se afastaram de Tsipras) falar em
genocídio social. Mas a humilhação suprema talvez seja ver Tsipras dizer que
não há alternativa. Tsipras, o temível mastim indomável, está amestrado como um
caniche. Dá dó. A direita rejubila. Também dá dó. Porque ninguém para, escuta e
olha para perceber na loucura que estamos a patrocinar.
A loucura de ver um povo desesperado que, depois de cinco anos de
austeridade duríssima, tem prometida nova dose de austeridade duríssima. A
loucura de tornar o pagamento da dívida mais insustentável do que nunca, pela
destruição económica provocada – se a Grécia sai do euro, os credores podem
esquecer, vão receber raspas. A loucura de segregar dentro da União Europeia,
cavando um fosso que nos vai apartar sabe-se lá até que lonjuras.
A Grécia só se livra desta sarna se, além do perdão de dívida que
de qualquer forma terá, tiver um programa de estímulo económico. O mundo,
aliás, só recuperou da Grande Depressão dessa maneira. Percebe-se a pulsão de
obrigar o país a adotar as reformas estruturais nunca adotadas, incluindo a de
ter um Estado que funcione e que cobre impostos. Mas não é destruindo o espaço
político e aniquilando a economia que tal vai ser conseguido. A violência na
Praça Syntagma é desenrolada por grupos anarcas ruidosos as pouco
representativos. A miséria que se alastra, não: é de todos.
É preciso mudar o plano. Somar à austeridade um programa de
investimento que estimule a economia e que apoie casos sociais de pobreza. Isso
é ser inteligente, até porque é a única forma de tentar recuperar parte da
dívida. Talvez a linha dura dos alemães queira apenas humilhar o Syriza e tenha
feito um plano para que, depois da capitulação de Tsipras, mude o plano para
melhor. Até seria bom que isso fosse verdade. Seria maquiavélico mas, ao menos,
saberíamos que a loucura iria mudar. E que, portanto, a Grécia haveria de ter
saída da crise em vez de uma saída do euro. Para já, o que vemos é o que temos,
um país inteiro a afundar-se na desgraça.
Os gregos
estão desesperados porque a situação é desesperante. Coloquemo-nos no lugar
deles por um minuto: um governo de extrema esquerda ajoelhado depois de cinco
anos de tareia, de desemprego e de austeridade, depois de décadas de corrupção
e roubo institucionalizado com os governos de centro. E o que lhes dizem que se
segue? Pobreza. Talvez a esta hora também estivéssemos na rua.
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