http://www.leituras.eu/out.php?u=http%3A%2F%2Fcadernosdalibania.blogspot.pt%2F2014%2F01%2Fos-facilitadores.htmlO título, só por si, já era assustador: "Goldman Sachs aposta em Portugal". E a entrevista em que António Esteves, apresentado como ex-desportista de elite e actual partner do banco, revelava ao Expresso da semana passada os planos que eles têm para Portugal era de deixar em estado de alerta quem quer que conheça a história desse grande predador global que é a Goldman Sachs. Quase se pode dizer que o que é bom para a Goldman Sachs é fatalmente mau para os países onde eles fazem negócios, para os seus consumidores e contribuintes. Pois que, como diz António Esteves, "a Goldman é um banco muito direccionado para a performance". Isto é, não está especialmente interessado em financiar a economia dos países onde se instala, mas em realizar o máximo de lucros no mínimo de tempo. Que o digam os gregos ou os americanos, que o diga a Comissão Europeia que acaba de a multar por manipulação das taxas Euribor, em cartel com outros tubarões da banca internacional, que o diga a história desta crise mundial, onde a Goldman Sachs desempenhou um papel à altura dos seus pergaminhos. Agora que 250.OOO portugueses pagaram com o desemprego e outros tantos com a emigração as políticas devastadoras impostas pelo resgate a que fomos obrigados em consequência da crise exportada a partir dos EUA para o mundo inteiro e causada pela ganância criminosa de bancos como a Goldman Sachs; agora que o resgate estilhaçou a legislação laboral, tornando qualquer novo emprego um trabalho precário e fazendo recuar dez anos o nível das remunerações salariais; agora que o Governo português, fiel executante do que chamam o "processo de ajustamento da economia portuguesa", vende tudo o que é empresa estatal lucrativa, sem qualquer salvaguarda do interesse público; agora que as grandes empresas privadas, outrora chamadas "campeões nacionais", ou se expatriaram ou foram descapitalizadas por taxas de juro bancárias insustentáveis, praticadas pelas Goldman Sachs deste capitalismo de rapina; agora que, enfim, Portugal se tornou barato, vulnerável e indefeso, António Esteves, como grande quadro bancário que é, repara que aqui "há oportunidades muito interessantes para os investidores que estão à procura de activos que lhes dêem mais retorno vis-à-vis com o resto da Europa". Foi isso que eles já fizeram, tornando-se o maior accionista privado dos CTT, na recente privatização levada a cabo pelo Governo. E isso é apenas o princípio, pois, como ele diz, "olhamos com muitos bons olhos para Portugal". Não contribui muito para me sossegar a notícia da contratação de José Luís Arnaut pela Goldman Sachs — naquilo que suponho ser a primeira consequência prática da nova política do banco para Portugal, definida por António Esteves como assentando no "investimento em pessoas e talento". Desconhecendo eu qualquer talento ou experiência bancária de Arnaut, resta o seu talento — esse, sim, por todos reconhecido — no capítulo "pessoas". Tal como Miguel Relvas, outro notável talento em "pessoas", o novo "conselheiro" da Goldman Sachs, José Luís Arnaut, tem a capacidade de chegar às pessoas que interessam, utilizando um inestimável património, trabalhado com mestria anos a fio, e que no ramo se chama "lista de contactos" — dos que atendem o telefone. Trata-se de uma próspera actividade em qualquer lugar do mundo, mas sobretudo em países como Portugal, onde tudo pode ser vendido, concessionado, facilitado, negociado, e onde a intimidade com o poder é a chave dos grandes negócios. Estes profissionais são bem designados pela deliciosa expressão que um amigo de Relvas encontrou para caracterizar a sua actual actividade: "um facilitador de negócios". O "facilitador de negócios", às vezes também designado por outras expressões mais cruas ou menos elegantes, é alguém que tem a capacidade de fazer poupar tempo e desembrulhar dossiês complicados, encontrando sempre um vendedor para um comprador, um decisor para um interessado. José Luís Arnaut é, neste aspecto, um ás de trunfo para a Goldman Sachs: basta dizer que não houve privatização feita por este Governo em que ele não tenha estado presente, representado ou os "investidores" face ao Estado ou o Estado face aos "investidores" — o que diz muito sobre a sua capacidade de acrobacia negocial e ausência de estados de alma nocivos e deslocados. Não pensem que é fácil ou que qualquer um pode chegar a um tão elevado estatuto na distinta profissão de facilitador de negócios. Não é essencial ter estado na política, mas é indispensável dormir com a política, sem olhar a camas. Embora a filiação num grande escritório de advocacia de tráfico de influências seja importante como porta de entrada, há outras formas de lá chegar que não requerem sequer qualquer habilitação académica ou título profissional, como Relvas bem ilustra: uma agenda de contactos irrepreensível vale mais do que qualquer PhD ou o nome no papel timbrado de uma sociedade de advogados. É ainda necessário que essa agenda não se limite a conter o nome de políticos de um governo, pois que os governos vão mudando, enquanto que o essencial dos contactos deve permanecer na agenda: "jotinhas" do "arco da governação", líderes emergentes da oposição, alguns autarcas de concelhos atractivos, académicos e técnicos tantas vezes necessários para dar credibilidade às pretensões, professores de direito para venderem pareceres, jornalistas para colocarem notícias ou opiniões a troco de um pagamento adequado. E é necessário também evitar que se aposte tudo apenas num nome em cada momento, para não acontecer o que aconteceu a Relvas, quando o seu grande contacto brasileiro, José Dirceu, acabou em desgraça atrás das grades. É um trabalho de filigrana, que exige inteligência, tacto, cautela e capacidade de observação, muitos pequenos-almoços, muito salão, muita gravata Hermès. No fim de tudo isto, garantidos "os talentos e as pessoas" certas, a Goldman Sachs pode dizer, pela boca do seu partner António Esteves: "Portugal é um risco de que gostamos". Compreende-se o gosto, não se percebe é o risco.
Quando questionado sobre a sua omnipresença em todos os processos de privatizações, José Luís Arnaut defende-se atacando o miserabilismo dos críticos e louvando-se de ter ajudado a trazer para Portugal milhares de milhões de "investimento externo". É um ponto de vista de quem acha que toda venda de bens públicos ao exterior é um investimento e bem-vindo. Mas, na mesma edição do Expresso da semana passada, um painel de economistas, professores e gestores defende exactamente o contrário, criticando o que se privatizou e a forma como foi feito, chamando a atenção para a perda de poder de decisão alienado ao estrangeiro, para a perda de dividendos para o Estado e para a perda de lugares qualificados para portugueses nas empresas vendidas. Não é inocentemente que os programas da troika para Portugal, Grécia e Irlanda insistiam tanto nas privatizações, E não foi por capricho que mesmo o governo de direita de Rajoy tudo fez para evitar a receita da troika em Espanha.
Quando acontecer o 1640 de Paulo Portas, marcado para 17 de Maio, só por inconsciência ou por conveniência se poderá dizer que recuperámos parte da nossa soberania. Apesar das privatizações (justificadas para a diminuir), a dívida pública terá aumentado, mas, por via delas, Portugal terá alienado quase tudo o que, no sector económico, público ou privado, caracteriza um país soberano. A produção de electricidade foi vendida a uma empresa estatal chinesa, a distribuição dada em monopólio a chineses e árabes, parte substancial da banca e dos combustíveis vendidos a angolanos, os cimentos e as telecomunicações aos brasileiros, os aeroportos aos franceses, a única companhia aérea prestes a ser vendida a quem mais der, os correios aos americanos da Goldman Sachs ou clientes seus, um terço do mercado de seguros também aos chineses e o próprio fornecimento de água, o mais essencial de qualquer bem público, pronto a ser concessionado a quem os "facilitadores de negócios" determinarem. Se isto vai ser um país soberano, eu prefiro que voltem os Filipes. EXPRESSO 18/JAN/2014
«Sabes o que me lembra este céu? Mais ou menos: a guerra dos astros. Tal e qual. A guerra dos mundos. Um sol maléfico, que tenta destruir a maquete, e sete planetas menores que tentam defendê-la.» [Finisterra, Carlos de Oliveira]
terça-feira, julho 08, 2014
OS FACILITADORES (ler os outros)
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