Cavaco Silva, o funcionário, o chefe e o princípio da incerteza
7 de Outubro de 2013 por As Minhas Leituras
Julgo que, a maioria dos portugueses, mesmo os que sempre votaram nele, vêem hoje Cavaco Silva como um problema no meio da crise em que estão mergulhados. Penso que essa visão resulta do desajustamento que sentem entre a natureza dele e as qualidades necessárias para o desempenho do cargo de presidente da República. Mas Cavaco Silva é também um perigo. Tanto maior porque inconsciente. Estou convencido de que Cavaco Silva tem a ideia de si de ser um honesto funcionário cumpridor dos seus deveres. Mas também a de que a presente situação de Portugal não é da sua responsabilidade. Foram os outros, o “eles”, essa recorrente figura fora de nós, que tramaram isto tudo. Penso que o primeiro desajustamento de Cavaco Silva resulta da sua pobre visão da História de Portugal: de esta ser para ele uma longa e confusa trapalhada, cujos pormenores abandonou depois do distante exame da antiga quarta classe do ensino primário obrigatório no Estado Novo (Língua e História Pátria), antes de ingressar na Escola Comercial e Industrial para se fazer contabilista. Acontece que Aníbal Cavaco Silva chegou a chefe de Estado Português, já em segundo mandato, e é o político que mais tempo esteve à frente de um governo (1985/1995) desde o 25 de Abril de 1974. Quer isto dizer que, além de se ter feito por si, subido a pulso na vida, devia ter outras qualidades que o levaram a ser reconhecido pelos portugueses. As atuais críticas de vastos setores da sociedade, por vezes a raiar a humilhação, tornam claro que tais atributos não são (nunca foram) suficientes, nem os adequados e que, fossem quais fossem, se esgotaram. O comportamento de Cavaco Silva desde o derrube do governo Sócrates, a fingida surpresa que revelou pelo impacto das medidas da troika, o seu visível e doloroso atarantamento durante a crise do governo deste verão, provocada por Gaspar e Paulo Portas, a ofensiva inabilidade com que não deu um sinal de vida aos bombeiros que se desesperavam nos fogos, a quase obscena veneração demonstrada na morte do aristocrático economista António Borges, comprovam que ultrapassou o seu nível de incompetência, o do principio de Peter, de que, num sistema hierárquico, todo o funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência.
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