O Fundo Monetário Internacional está angustiado (ver "Estará a austeridade ferida de morte "). Há agora no Fundo quem considere que a sua receita foi longe de mais. Porém, posso afirmá-lo sem qualquer dúvida, o FMI era, na troika o parceiro mais brando. No momento em que se iniciaram as negociações com Portugal, tanto o BCE como a própria UE surgiram como muito mais radicais na exigência de cortes, reformas e medidas que se podem considerar punitivas. Esta era, pelo menos, a opinião geral dos interlocutores (partidos e sindicatos) ouvidos na altura em que Sócrates terminava os seus dias como primeiro-ministro.
O que se passou de então para cá? Muito e pouco.
Muito, porque ao terem entrado quase todos os países europeus numa fase de austeridade, tornava-se ineficaz, ou mesmo impossível a receita aplicada - a Portugal diziam-lhe para apostar nas exportações, embaratecendo o fator trabalho - mas para onde, se os outros países da Europa, importadores naturais, também cortavam orçamentos? É que (baseio-me em números do eurodeputado Rui Tavares, hoje no 'Público') há quatro anos havia oito países em austeridade, há três anos, havia 16; e há dois eram 21 (dos 27 que a Europa tem). Além disso, os EUA não recuperaram como se previa e a própria China, assim como o Brasil já têm os seus problemas.
Na frente interna, as coisas não podiam melhorar: se aumentavam impostos e cortavam salários, difícil era esperar que os cidadãos consumissem mais. Pelo contrário, pouparam mais, porque os cidadãos, os simples, sabem mais do que os génios da economia e da política e temem que venham aí tempos ainda piores.
Quer isto dizer que está tudo errado e que, afinal, quem tinha razão era Seguro, ou mesmo Jerónimo e Louçã? (Deste último, diga-se que hoje declara ao jornal I que a saída do Euro levava a sacrifícios "equivalentes aos da II Guerra Mundial" - é ele quem o diz e não posso estar mais de acordo). Aparentemente, se o problema está na austeridade excessiva quem é contra a austeridade tem razão. Mas esse é, a meu ver, o paradoxo.
É que, ao mesmo tempo, não se passou nada de especial, salvo uma coisa que muita gente também disse, mas nenhum Governo levou a sério: nós estamos no fim de um modelo; num período de reequilíbrio e, fosse qual fosse a política, jamais haveria confiança necessária dos cidadãos nos agentes políticos, na banca ou noutros agentes económicos para investir, a fim de animar a economia e aumentar o consumo. Por isso, no essencial, quem defende o fim da austeridade, defende que seja o Estado a investir de novo. E isto levanta a dúvida trágica: Não foi esse o modelo que falhou?
Chame-se austeridade, chame-se rigor, vamos passar uns tempos difíceis. Em que há menos dinheiro (ou em que o dinheiro vale menos, nos casos em que estão a ser impressas notas, como nos EUA e no Japão). A diferença entre a economia contabilizada e a economia real (que chegou a ser de um para sete) vai ter de ajustar até à realidade. Quando alguns perguntam - "mas onde está o dinheiro?" - o drama é esse: não havia dinheiro nenhum, ou melhor não havia valor. Um exemplo: à volta de Madrid há bairros fantasmas enormes, acabados de construir. Quanto valem? Bem, depende da expectativa. Agora, não valem nada - eis um dos lugares onde está o dinheiro.
A angústia do FMI é no fundo semelhante aquela música de Ney Matogrosso: "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come". Durante anos, brincámos aos feiticeiros, este é o tempo de percebemos que não passámos de simples aprendizes. A realidade pode estar alienada por uns tempos, mas volta sempre para se impor. E a realidade era esta: havia muito menos riqueza do que aquela que o mundo declarava.
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