A edição literária, hoje
A cambalhota foi rápida.
Efetivou-se nuns meses, de modo que o setor da edição literária nacional ficou
virado de pernas para o ar. Já lá vão uns três anos e resta por aí ainda quem,
escrevendo ou lendo livros, não tenha percebido claramente o que aconteceu e,
portanto, estranhe a situação.
As
principais editoras caíram na mão do poder financeiro. O livro reduziu ou perdeu
de todo a sua dignidade cultural, transformando-se em objeto de negócio
puramente lucrativo. Os autores literários mediáticos passaram a produzir para o
mercado e os sobrantes viram-se obrigados a aceitar a condição de
supranumerários senão mesmo a invisibilidade.
As consequências objetivas
da viragem tinham de ser desastrosas nos planos da cultura e de uma normal
renovação das linguagens literárias. Os autores de best-sellers, os
nossos e os outros, proclamados escritores profissionais, produzem as obras
(romances, muitos romances) que o mercado gosta de consumir depressa e em
quantidades o mais possível industriais. Os editores querem que sejam os autores
a vender com a força da sua imagem mediática e diligência aplicada no terreno,
enquanto os próprios autores, profissionalizados, se tornam necessariamente produtores de obras
vendáveis por «encomenda» do mercado.
Num pequeno país e, para
mais, afundado em profunda crise, cabem poucos autores de best-sellers. A
máquina da edição literária lança o preciso para funcionar e refuga os demais
(não lucrativos). A comunicação social, orientada para a atualidade mediática
que chama às luzes da ribalta os autores badalados, segue na corrente que,
por outro lado, a inexistência de uma crítica pronta e atuante deixa correr sem
baias.
O resultado ficou à
vista. Os leitores, pegando nos livros à venda em supermercados, correios,
papelarias e etc. (isto é, consumindo o que lhes metem pelos olhos dentro),
estratificam o gosto em leituras padronizadas, feitas para eles pelos
fabricantes de textos seguindo indicações estratégicas do marketing. Em
suma, a edição literária torna-se monocórdica e repetitiva tanto quanto a
imprensa, também caída em poucas mãos convenientes, é tendenciosa e
unilateral.
O número das editoras e chancelas em atividade cresceu até à desmesura e a quantidade total dos livros novos publicados a cada ano causa verdadeira estupefacção. As lojas e barracas de saldos de volumes a pataco mal esvaziam os armazéns atulhados com verbos de encher. Nas livrarias, os clientes arreliam-se porque, entre tanta livralhada, falta lá espaço para as obras de autores clássicos ou mesmo para obras lançadas há dois ou três meses e, se querem encomendar, o livreiro faz má cara - a distribuição está num caos.
Predomina na paisagem o preciosismo da escrita criativa com talento para extrair de banalidades imenso suco de barbatana. Anemiza-se o envolvimento social do narrador, a palpitação humana autêntica na união sincera da arte com a vida. Boa escrita (liofilizada) não serve a boa literatura.
A intensificação da circulação desta literatura (dita descartável, light) espalha no terreno consequências indesejáveis a vários níveis. A mais saliente consistirá na imposição de um tipo de «cultura popular» capaz de submergir a cultura popular de raiz. Contribuirá também para estratificar nos seus leitores o conformismo ideológico, a debilidade do sentido crítico, o consumismo acéfalo.
O número das editoras e chancelas em atividade cresceu até à desmesura e a quantidade total dos livros novos publicados a cada ano causa verdadeira estupefacção. As lojas e barracas de saldos de volumes a pataco mal esvaziam os armazéns atulhados com verbos de encher. Nas livrarias, os clientes arreliam-se porque, entre tanta livralhada, falta lá espaço para as obras de autores clássicos ou mesmo para obras lançadas há dois ou três meses e, se querem encomendar, o livreiro faz má cara - a distribuição está num caos.
Predomina na paisagem o preciosismo da escrita criativa com talento para extrair de banalidades imenso suco de barbatana. Anemiza-se o envolvimento social do narrador, a palpitação humana autêntica na união sincera da arte com a vida. Boa escrita (liofilizada) não serve a boa literatura.
A intensificação da circulação desta literatura (dita descartável, light) espalha no terreno consequências indesejáveis a vários níveis. A mais saliente consistirá na imposição de um tipo de «cultura popular» capaz de submergir a cultura popular de raiz. Contribuirá também para estratificar nos seus leitores o conformismo ideológico, a debilidade do sentido crítico, o consumismo acéfalo.
Nesta situação confusa,
ficam condenados a uma marginalidade nada inocente bons autores interventivos
carecidos de «vedetismo» porque vendem pouco e devagar. Tinham editoras,
leitores, renome, e a cambalhota reduziu-os quase ao emudecimento. Na sua
visceral solidão, vêem-se constrangidos a conservar inéditos originais que não
tiram da gaveta.
Mas agora são abundantes, numerosíssimos, os novos «escritores». Surgem e multiplicam-se pelos quatro cantos, parece que está na moda isso de publicar livros e qualquer estreante os publica, pagando a edição, com tiragens reduzidíssimas, do seu próprio bolso, e depois corre a vendê-los a conhecidos e vizinhos dos conhecidos. Escrevem, editam, distribuem e fazem venda direta - será este o caminho que resta aos autores não mediáticos?!
Quem isto escreve optou pela solução que se sabe: publica os seus livros com formato e-book numa plataforma da Internet. Nesse escaparate já alinhou dez títulos e pretende continuar. Os milhares de visitantes que os folheiam nada pagam ao autor mas deixam-no perfeitamente gratificado.
A conjuntura sociopolítica, dominada pelas ganâncias da máquina ultra e neoliberal que tudo oprime e devora, acicata a criatividade individual e coletiva. De qualquer modo, é preciso, é urgente elaborar respostas, rasgar saídas. A liberdade de expressão, a necessária renovação cultural e literária, e a democracia pedem-nas.
Mas agora são abundantes, numerosíssimos, os novos «escritores». Surgem e multiplicam-se pelos quatro cantos, parece que está na moda isso de publicar livros e qualquer estreante os publica, pagando a edição, com tiragens reduzidíssimas, do seu próprio bolso, e depois corre a vendê-los a conhecidos e vizinhos dos conhecidos. Escrevem, editam, distribuem e fazem venda direta - será este o caminho que resta aos autores não mediáticos?!
Quem isto escreve optou pela solução que se sabe: publica os seus livros com formato e-book numa plataforma da Internet. Nesse escaparate já alinhou dez títulos e pretende continuar. Os milhares de visitantes que os folheiam nada pagam ao autor mas deixam-no perfeitamente gratificado.
A conjuntura sociopolítica, dominada pelas ganâncias da máquina ultra e neoliberal que tudo oprime e devora, acicata a criatividade individual e coletiva. De qualquer modo, é preciso, é urgente elaborar respostas, rasgar saídas. A liberdade de expressão, a necessária renovação cultural e literária, e a democracia pedem-nas.
2 comentários:
Texto notável pela lucidez com que aborda o tema da publicação, dita literária, em Portugal, já tratado, com a mestria que se reconhece a Arsénio Mota, no conto Organum. São desabafos de quem, ao que parece, não vendo o seu trabalho editado, decidiu dá-lo a conhecer através da internet. Opção louvável, sem dúvida, todavia, não mais legítima do que a daqueles que «pagando a edição, com tiragens reduzidíssimas, do seu próprio bolso» se aventuram ao julgamento de quem lê. Feitas as contas, o juízo final cabe sempre ao leitor e é dever de quem escreve não temer a sentença de tais juízes. Afinal, ainda que por variadas razões, também Miguel Torga fazia edições de autor.
Silvério Manata
Hello. And Bye.
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