Considerações sobre uma
entrevista a um jornal regional do Responsável da Biblioteca Municipal de Vila
Franca de Xira e o que se lhe seguiu
Li as notícias que o O
Mirante publicou na sequência da entrevista àquele jornal do Responsável da
Biblioteca Municipal de Vila Franca de Xira, Dr. Vítor Figueiredo, em que
falava, entre outros assuntos bem mais importantes, de um livro que é recorde
de vendas em Portugal e em grande parte do mundo.
A minha opinião é totalmente
diferente da do jornal e das pessoas que intervieram. Vejamos:
1) Um responsável de uma
Biblioteca pública não tem verba para
adquirir toda a lista de livros
que mensalmente são publicados pelas editoras. Tem, pois, de escolher e é ele a
fazê-lo com a colaboração da sua equipa, mas sendo sempre ele o responsável.
Mas tem de seleccionar.
Por cada mau livro que
adquirir, é um bom livro que não é posto à disposição dos leitores.
Mesmo que tenha um orçamento
muito dilatado deve seleccionar.
2) Tem de ter em conta os
pedidos dos leitores, mas pode não aceitar tudo o que lhe é pedido. Mais uma
vez tem de seleccionar.
3) O seu critério de selecção
tem de ter em conta a qualidade dos livros a adquirir. Uma biblioteca pública
não é um Hipermercado, onde se vende tudo o que dá lucro. Para mais, as editoras,
mesmo as mais criteriosas, publicam toda a espécie de "lixo
literário". Ora um responsável de uma biblioteca pública não pode alinhar
em todo o "lixo" que lhe queiram vender. As pessoas têm direito a ler
tudo o que quiserem, mas as Bibliotecas públicas é que não podem aceitar tudo.
4) Eu até defendo que as
bibliotecas municipais deviam ser com as colectividades populares e os museus
um contrapoder à cultura vigente, que privilegia o que dá lucro e não o que tem
qualidade ou/e é incómodo (por exemplo, o Neo-Realismo). Não só nos livros que
adquirem, como nas iniciativas de divulgação daquilo que é realmente bom. Claro
que a qualidade é sempre discutível. Mas há livros cuja qualidade ninguém põe
em causa. Outros estão no limiar. Todavia, o critério principal deve ser
a qualidade e também a importância.
5) As livrarias estão cheias de
"lixo literário", que os meios de comunicação social de grande
projecção incentivam. Ora não! Aos seus patrões interessa que as pessoas leiam
coisas que as desviem dos verdadeiros problemas, que lhes não dêem informação,
que não as façam pensar. Muitas editoras pagam espaço nas livrarias para que os
seus livros tenham a melhor exposição.
6) Também estão cheias de
livros estrangeiros, particularmente estadunidenses, que melhor se afeiçoam ao
objectivo de alienar os leitores. Além disso, nos livros de autores
estrangeiros as editoras portuguesas podem aldrabar nas tiragens, fugindo ao
pagamento de direitos, prática que já é muito antiga em Portugal; de que já
tenho notícia desde os anos 40; certas editoras eram bem conhecidas por essa
prática.
7) Por isso, se vê muita gente
que lia Ferreira de Castro, Aquilino Ribeiro ou os neo-realistas a lerem hoje
José Rodrigues dos Santos, Margarida Rebelo Pinto, etc. e outros exemplos do
tal "lixo". Por isso, a nossa conterrânea Ana Cristina Silva não tem
a divulgação que merece. E também outros, muito melhores que os tais muito
divulgados. E os autores mais jovens que vão aparecendo, inicialmente com algum
impacte, não reeditam os seus livros. E até com muitos dos mais consagrados as
reedições não se fazem. Muitos já desistiram de escrever.
Tudo isto pode conduzir, a
prazo, à liquidação da literatura portuguesa.
8) O mesmo acontece com a
Música, o teatro e o cinema. A primeiro e o último, a nível europeu, já foram
destruídos pela indústria americana (quase foram reduzidos a uma divulgação no
país de origem); que se prepara para também destruir a literatura europeia. Com
o teatro também tentam, especialmente com os musicais. É que os produtos
culturais já correspondem a uma boa fatia das exportações estadunidenses, sendo
necessário destruir a concorrência.
9) A acção do jornal reforça
essa tendência monopolizadora, reduzindo o espaço de manobra daqueles que lutam
contra ela.
10) Esta ofensiva dos grandes
grupos que querem dominar a cultura terá a prazo graves consequências, impondo
uma visão do mundo que lhes interessa, uma visão acrítica, sem compreensão dos
mecanismos de poder, imbecil, que facilite o seu domínio.
11) É isso que O Mirante pretende
com uma pretensa liberdade de cada um ler o que lhe apetece, sem qualquer
sentido crítico?
Como se pode achar que se
"trata de um acto de censura"? A Censura em Portugal não foi assim. A
Censura seleccionava o que adquiria ou proibia para todo o espaço geográfico
que controlava? Não cortava o que não queria que fosse lido, pura e
simplesmente?
12) Já agora por que razão as
Bibliotecas não hão-de comprar as revistas pornográficas, porque muita
gente as veria, aumentando os utentes das bibliotecas? Se tudo o que os utentes
querem as bibliotecas têm de adquirir, porque não? E também os filmes
pornográficos?
13) A Biblioteca Municipal de
Vila Franca de Xira tem realizado das melhores iniciativas de divulgação da
literatura portuguesa de entre as bibliotecas portuguesas: exposições, sessões,
debates. Ganhou, por mais de uma vez, o Prémio Fundação Calouste Gulbenkian. É
esse trabalho, que a grande maioria dos vilafranquenses não usufrui, que estão
a querer destruir, afastando, eventualmente, o seu responsável, num momento em
que há um concurso público para o lugar?
14) Acho que quem se pronunciou
sobre este assunto devia ter pensado bem no jogo complexo que está em questão.
A. Mota Redol
Janeiro de 2014
(Recebido por email)