«Sabes o que me lembra este céu? Mais ou menos: a guerra dos astros. Tal e qual. A guerra dos mundos. Um sol maléfico, que tenta destruir a maquete, e sete planetas menores que tentam defendê-la.» [Finisterra, Carlos de Oliveira]
segunda-feira, outubro 31, 2011
terça-feira, outubro 25, 2011
A Justiça do cacete Caniceiro
A mobilidade do chão gandarês, como é do entendimento geral, nunca poderia deixar marcas do passado como as que existem a Norte, acima do Douro e na Galiza, onde a construção pétrea, os castros, legado mais importante que apareceu como construção não relacionado com rituais funerários ou de religiosidade pagã. Mesmo estes, nos areais da Gândara, não têm referências de registo físico, mas eu estou certo que existiram, dadas as lendas e estórias chegadas até nós.
Sem reivindicar uma visão romântica, esta hipótese que aqui se vai apresentar sem lendas de mouros nem epopeias, de conquistas de terras prometidas, baseia-se na transmissão oral chegada até mim.
O isolamento forçado pelas dunas levou a que os caniceiros se organizassem por si mesmos, com muita pouca influência do poder religioso, político e administrativo da justiça da época.
Há uma Caniceira antes e uma outra depois da sementeira das dunas das Cantanhede e Mira, assim como antes e depois da luta pela defesa do Pinhal do Povo. Outro marco importante nas alterações da forma de vida e vivência dos caniceiros foi a abertura da Estrada nacional 109, que não respeitou ninguém no seu traçado, cortando a aldeia a meio.
As regras da vida social dos caniceiros eram as da Gândara, desde o tratar de casamentos, partilhas, questões e casos de conflitos entre eles.
Os casamentos eram tratados pelos familiares (pais e mães) em reunião para o efeito em casa dos pais da moça. Tais tratos eram festejados pelos atentos vizinhos com o bater de latas pela noite dentro e pela invasão da casa, onde as iguarias da mesa eram logo devoradas pelos barulhentos intrusos, como um enregar da boda ali contratada. Os casamentos , regra geral, eram entre jovens da aldeia. Poucas, mas mesmo muito poucas, foram nessa época as excepções.
As partilhas tinham em atenção os altos, isto é, locais de casas e quintais, e as terras de cultivo que eram repartidas em partes iguais uma por uma pelos herdeiros, para que ninguém ficasse prejudicado, assim com o pinhal novo ou de serra, terras frias ou quentes, de produção serôdia ou temporã, fragmentando em courelas os areais pobres de agricultura incerta.
A família era um conceito de parentesco muito mais alargado que o de hoje, pois primo de muitos graus ainda era considerado da família, mesmo que por afinidade. Assim, as disputas e questões que ocorressem eram resolvidas nas esferas familiar e da aldeia, sem qualquer interferência exterior, numa justiça de primitiva derivada da famosa Lei do Pinhal.
A economia dessa época e o modo de sobrevivência dos caniceiros, além de uma agricultura pobre, de subsistência, muito dependente das condições climatéricas, era o trabalho sazonal e ocasional das companhas, empresas de pesca organizadas por safra, do início do S. João (Junho) aos Santos (Novembro) da arte xávega, uns como rapoleiros, os que puxavam a rede à mão cujo trabalho era pago individualmente com uma teca de peixe, quantidade de pescado que de um modo geral carapau, petinga ou lavadinha, que pode ser contido em duas mãos abertas juntas, outros como aparelhadores de barco que constava de prepara as artes, que consta de saco da rede, mangas, cordas, bóias, enfim tudo o necessário para ir ao mar, colocação de rolos de madeira para 3mpurarrar o barco para o mar, às ordens do arrais, empurrado pela muleta, vara de desenho específico com que se empurra todo o barco para a água.
O trabalho de retirar o barco do mar para a praia, no regresso da faina de lançar a s redes era também da responsabilidade da mesma equipa que tinha elementos da Companha e outros não efectivos, mas que eram aceites de bom grado, pois o alívio do esforço era sempre bem-vindo. O pagamento era em peixe e sempre em proporção ao tamanho do lance. Por fim havia os pescadores experimentados. Faço aqui a minha singela homenagem á memória dos homens que morreram no naufrágio de 20 de Junho de 1940 no Mar da Tocha.No grande naufrágio de 1940 houve 8 mortos e 1
desaparecido, pois o mar nunca devolveu o corpo. Era arrais era o Gomes Alto da
Caniceira. Ele morreu assim como o Valente, também ele da Caniceira. Do Casal
do João morreram o Zé Maia Ferreiro e o Zé da Gracinda Lameira., das Povoeiras
Júlio Raposeiro, das Berlengas o José Luís Almeida, da Fonte Martel o António
Fim, dos Inácios José Carvalho e dos Morros o desaparecido de nome Júlio.
Na barcada de homens que se afundou iam caniceiros que ali pereceram. Também iam pescar para o mar dos palheiros de Mira, conforme consta no registo do naufrágio no início do século XX, fatal para um Caniceiro, Maricato era o seu nome de família.
Importante para a economia era também a pastorícia de gado bovino (vacas bravas) pelas Dunas e areais da Gelfa, transumância com os campos do Mondego (Carapinheira). Daí as rixas constantes e os ditos pouco abonatórios entre os originários destas duas terras. Os caniceiros diziam dos da Carapinheira: terra rica, terra de merda.
Percorriam as poucas pastagens que existiam entre as dunas de Quiaios e a Barra de Aveiro, e levavam consigo os apanhadores de bosta, cujas regras de vida eram escrupulosamente cumpridas ao longo desses extensos areais, onde qualquer conflito era solucionado ali mesmo.
Era a Lei do Pinhal, com o seu cumprimento lega, não por ter um enquadramento do tipo, mas para que de lição servisse ao prevaricador e de exemplo a potenciais candidatos à justiça do cacete Caniceiro ao longo das costas e acima dos artelhos. Era válida e aplicável em caso de flagrante delito, acompanhado de testemunhas para o efeito.
Depois, tudo seria tirado a limpo, isto é, até às famílias dos contendores, se ia tirar perguntas, se tal fosse preciso e a justiça estava feita. Caso contrário, a coisa mudava de figura e já se pode imaginar que o justiceiro falhado, mais tarde ou mais cedo, receberia o retorno do erro judicial.
A Lei do Pinhal aplicava-se aos conflitos relacionados com o bem mais precioso para a agricultura da época, a bosta, para adubar as areias estremes trazidas do mar pelo vento e ali depositas nos fundos das baleiras (dunas).
A malhada, como se designa na Caniceira a cerca do gado onde este passava a noite e a sesta a ruminar, era local exclusivo e único de recolha do valioso adubo pelo dono da manada. Todas e quaisquer bosteiras que estivessem do lado de fora da malhada eram de quem a recolhesse.
Assim, grupos de homens, em especial jovens antes de irem às sortes, devidamente apetrechados com um cesto feito de vime, traçado ao ombro e costas por uma correia feita de um entrançado de corres, uma espécie de escalracho (panicum repens) existente ao longo dos baixios das dunas, seguiam as manadas de relveiro, nome dado aos baixios de relva onde o gado podia pastar, em relveiro, de malhada em malhada, recolhendo as bosteiras com a palma da mão e lançando-a para trás, por cima do ombro, até encher o alforge da moínha. Devido ao tipo de alimentação seca do gado, as bosteiras eram consistentes e de fácil manejo pela palma da mão, mesmo ainda quentes e acabadas de cagar pelo gado em contínuo andamento.
Devido á escassez de lenha, e apesar de os caniceiros serem os criadores da inigualável iguaria que é a batata assada na areia que tanta lenha necessitava para a sua confecção, era usual o uso de bosta seca para confeccionar uma simples sardinha assada ou uma batata cozida.
A bosta recolhida era colocada em montes ao longo do trajecto entre relveiros e malhadas. Cada seguidor das pisadas do gado tinha os seus montes de moinha e todos sabiam a quem pertenciam. Estes seriam recolhidos, mais tarde pela carroça da vaca marinha o carro puxado pelas vacas, para casa da família.
Roubar, mesmo que parcialmente, o rico produto depois de tão aturado e laborioso esforço, tinha a imediata aplicação da Lei do Pinhal. Umas cacetadas, no caso de ser apanhado em flagrante, ou não cairia no chão em futuro próximo se tal não fosse remediado e corrigido a tempo. Até mim chegaram relatos de casos em que foram justas e acertadas as justas amaciadelas do Cacete Caniceiro. Desconheço os casos em que a injustiça foi excepção, ou talvez porque se fez justiça de olho por olho e dente por dente, e assim se terá apagado os registos orais das actas de tais sentenças.
Os jovens eram instruídos neste regime de aplicação da Lei do Pinhal, sendo o cajado, o célebre Cacete Caniceiro, companhia para a vida adulta e sénior.
Casos mais bicudos, envolvendo alguém exterior á aldeia, eram resolvidos pelo cerrar de fileiras, um autêntico “um por todos e todos por um”. Estes casos “heróicos” serviam de reforços de hierarquia, reconciliações, pagamento de dívidas atrasadas ou reconhecimento público. Daí a fama do Cacete Caniceiro extravasara as fronteiras de Gândara.
A lei do Cacete Caniceiro foi assim aplicada até às lutas dos Defensores do Pinhal do Povo, luta justa dos caniceiros na defesa daquilo que lhes dizia respeito e onde foram reconhecidos por toda a região. Tal conhecimento até chegou aos corredores do poder fascista, o vigente à época.
O Cacete Caniceiro era agora bem conhecido extra muros arenosos do castro.
A abertura da Estrada Nacional 109, as novas realidade sociais do reforço dos regimes totalitários e o 2º conflito mundial, levaram os jovens a novos desafios, isto é, o sucesso da fuga à enxada.
O regime, atento a esta gente habituada a resolver os seus problemas intra e extra muros, logo deu primazia a alguns que nessa fuga ao baldear areia chamariam outros. Desta forma os caniceiros ocuparam rapidamente os lugares da Guarda florestal, Guarda-fiscal, cantoneiros para limpar valetas da recém aberta EN 109, Guarda nacional Republicana e Polícia de Vigilância e Defesa do Estado. Além de se aculturarem e promoverem socialmente, os jovens apanhadores de bosta que estavam preste a ter o seu mister obsoleto devido à sementeira da floresta e fim anunciado da pastorícia, também domesticariam as rebeldias no uso de Cacete Caniceiro, ficando este obsoleto.
As questões de justiça, mesmo aquelas que o cacete rapidamente resolvia, passaram a ser dadas em Cantanhede, onde eram expostas as vidas de cada um em terra estranha, perante desconhecidos de palavras ininteligíveis, os comedores de Cantanhede, assim chamados para os lados das areias brancas e estremes.
A transição da justiça do cacete Caniceiro para a barra do Tribunal de cantanhede ainda levou algum tempo. A última questão que o Cacete resolveu foi um caso de heranças, doações e testamentos, que o Meritíssimo Juiz do Tribunal de Cantanhede se mostrou incompetente para fazer justiça, sendo esta executada nos caminho de regresso à aldeia, no meio das vinhas de Cadima, com umas cacetadas certeiras e, dizem os relatos que justas, pois o caso ficou ali mesmo resolvido. Tão justas nos barros de Cadima como nas areias da Caniceira.
Ficou o famoso caso conhecido como a Sentença do Arinto, em honra à casta que existia na vinha.
Foi esta a última sentença, conhecida, do Cacete Caniceiro.
quinta-feira, outubro 20, 2011
quarta-feira, outubro 19, 2011
terça-feira, outubro 04, 2011
Um grito de "Viva a República"
Tinha eu 15 anos quando ouvi pela primeira vez um “Viva a República”.
Lembro-me que descíamos, eu e os meus colegas de Escola Industrial e Comercial da Figueira da Foz, a rua que dá directamente à Praça da República da cidade, passando, à época, em frente a pequena esquadra da Polícia de Segurança Pública.
Um pequeno grupo de homens já de idade, de fato escuro e chapéu, como que vestidos para passearem ao Domingo, lançavam de vez em quando um grito “Viva a República” descobrindo respeitosamente a cabeça, enquanto vagueavam pela praça.
Era a meio da manhã do dia 25 de Abril de 1974.
segunda-feira, outubro 03, 2011
sábado, outubro 01, 2011
A guitarra que nasceu a 30-09-2011
Ver , também, aqui:
http://www.facebook.com/media/set/?set=a.2458259056847.142098.1263252027#!/media/set/?set=a.2458259056847.142098.1263252027&type=1
Aos meus amigos que pretendam começar a construir guitarras, só peço que guardem este segredo bem guardado.
Guitarra portuguesa.
Comprimento total: 850 mm
Comprimento de corda vibrante: 470 mm
Largura: 370 mm
Altura de caixa: 75 mm
Braço: Cedro das Honduras
Tampo: Espruce
Fundo: Pau santo
Ilhargas: Pau santo
Escala: Ébano
Pestana e Cavalete: Osso de vaca
Leque e Atadilho: Feito pelo Fanan
Design da rosácea: Meste Alves André
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