«Sabes o que me lembra este céu? Mais ou menos: a guerra dos astros. Tal e qual. A guerra dos mundos. Um sol maléfico, que tenta destruir a maquete, e sete planetas menores que tentam defendê-la.» [Finisterra, Carlos de Oliveira]
segunda-feira, maio 31, 2010
quarta-feira, maio 26, 2010
As três onças de tabaco
Todo o areal, daqui do Monte do Cabeço até ao mar, estremece debaixo da forte chuva batida por uma trovoada que larga e queima enxofre, rasgando o ar abafado da noite quente de Maio. As fortes gotas de água caem como ovos de passarinho tombados do ninho do alto pinheiro desfazendo-se em chapadas, laradas de água ao baterem no chão de areia. Um cheiro a terra levanta-se no ar ao encontro do cheiro a queimo relampejado que vem de cima. O Diabo rola pedras pelas Marranhuças abaixo até à Lagoa do Frade onde a dança das bruxas se prepara para a noite de amanhã. Amanhã será o dia delas. Hoje, o Chifrudo rola as pedras de enxofre, muda o inferno de sítio pondo todos os diabos, diabinhos e almas penadas em polvorosa. Dos lados do Caramulo e do Bussaco da Alcoba, o Surrão Negro rasga granito e fende as rochas com as unhas em casco. Já devem escorrer águas barrentas para os lados de Barris, um mau sinal para o vinho deste ano. Ele se suma, que vá fazer mal para bem longe daqui, pois não é só aqui que há almas para atentar. Ele que vá para longe, para muito longe, onde também terá muitas almas dos muitos hereges que por lá andaram e moraram para apoquentar. Ele se suma, que vá para longe!
É a noite dele. Todos os diabitos andam por aí à solta a chapinhar nas poças de água que se quedam sobre a areia que já estava seca pelo sol quente e seco da tarde, rindo do medo dos homens e dos animais. O final do dia estava a ser preparado para a passagem do Malino com seu séquito infernal. Os Astros estavam a avisar, com o ar quente de faiscar, sem vento, pardo, de sol a fugir para trás das Baleiras do Mar. Relâmpagos rasgam o véu da noite em estardalhaços estrondosos, medonhos, que levam as fendas do céu a escorrer água a cântaros. Tudo estala com o rolar, noite abaixo, das demoníacas pedras. Os diabitos ainda tentam imitar o Pai das Moscas, com pequenos estrondos ao longe de vez em quando, e às vezes de seguida, ele marca a sua presença de chefe, estalando as pedras de enxofre. Estrondos e mais estrondos, até que o chinfrim infernal pára. Haja quem mande nos Astros! Às crianças, diz-se que é Deus Nosso Senhor a ralhar dos pecados que as pessoas fizeram, e que Santa Bárbara os protege dos pecados infantis se eles queimarem um pedaçito do ramo benzido na missa de Ramos. A verdade que não se conta às crianças, para que elas não fiquem com medo, é a luta celestial do Diabo a mudar o Inferno de um lado para o outro com armas e bagagens, com tudo, pois Deus quando criou o Mundo criou tudo. Se existe o bem, existe o mal e todos os Espíritos que nós nem imaginamos, nem poderemos imaginar e saber que há por esse Mundo fora. De vez em quando um ou outro diabito mais distraído ainda estala um outro calhau relâmpago. Talvez estivessem distraídos e não ouvissem a voz de comando para terminar com o chinfrim infernal ou então é só mesmo para infernizar ainda mais a cabeça ao Diabo.
Os dois enormes pinheiros mansos, negros de verde, estão a escorrer água pelos troncos abaixo, mesmo depois da chuva dos trovões já ter passado. Houve um curto momento em que por toda a noite era raios e coriscos com o Inferno a passar pelo Mundo, desde as serras até ao mar, passado pelo ar que se respira. Já passou!
A baleira sobe a pique. Tanto é a pique que para passar para o outro lado será melhor dar a volta, por acolá ao longe, de tão adonairada e enorme que está do vento que a arrastou. A baleira está diferente desde a última vez, está mais alta, mais a pique, mas dentro de algum tempo, com o vento mareiro e invernias húmidas cheias de friagem, mudará mais para terra, num lento e destruidor arrastar de grãos de areia. Um a um, eles mudam de sítio, ora estão no cagulo, ora no fundão. A baleira foge do mar, bem para longe, atulha corgos frescos cheios de relveiros e abafa os poucos pinheiros teimosos que se retorcem das chibatadas da aragem salgadiça. Quem semeou os pinheiros que estão a ficar enterrados pela baleira? Ninguém!
É grande a baleira, lá isso é, mas não tão grande como uma marranhuça. Dizem que as Marranhuças já foram maiores! Até dizem, que do lado da terra, a lagoa baixa, aquela que está cheia de enguias doiradas que escorregam no fundo branco mostrando o ventre amarelo, foi em tempos funda e grande, um mar! Para as apanhar é só empurrá-las para a praieira. São escorregadias as enguias, até se enterram areia adentro, mas não escapam à perícia de arranjar iguarias, como bem sabeis.
A lagoa baixa ensopa a base das Maranhuças. Um desmoronamento de areia da base e outra que o vento leva consigo, enche-a com a passagem do tempo, torna-se cada vez mais baixia. Assim a lagoa vai ficar cheia de areia! Para onde irão as enguias? Não sei, mas elas lá saberão. No último Inverno a água foi tanta que rompeu tudo em corgo, e até o Covão de Baixo ficou uma lagoa. Sim, pois foi assim. Olha que tem muita água funda e agora está cheia de enguias! Estou a falar da Lagoa das Enguias lá perto da malhada do Agarrochal. Vamos até lá e esperar do lado de fora da malhada. Pois!
Esta areia toda donde vem? Do mar, só pode! Mas às vezes o mar leva-a outra vez de volta, vem buscar o que é seu entrando terra adentro. Ele está no seu direito, pois toda a areia que vês é dele. Ele a dá, ele a tira. É o vento que lhe a rouba e quem a cerca é o Cimo do Cabeço. Cerca!? Cerca mas não toda, pois o vento ainda a leva mais para dentro de terra. Quem a tem cercado bem tem sido a Serra de Quiaios.
Essa areia que está mais para dentro já não é assim tão estreme, já é uma terra melhor. Os donos dela são ricos, enquanto nós aqui é o que se vê, com tanta areia assim tão estreminha que para nada serve. Claro que serve, serve para escavares no fundo da baleira e beberes água da boa. Mas vamos até à malhada antes que outros cheguem primeiro que nós!
O gado está na hora da sesta, está a resmoer, e o Tanoco já deve estar a ressonar tão alto que nem o gado resmoe descansado. Como é que ele tem assim tão bom vinho? Não sabes que ele comprou uma vinha nos Barris? O Tanoco é mesmo rico. Ele tem este gado todo e vende a bom preço a bosta que lhe cabe do lado de dentro da malhada. Agora come com cada cova de batatas assadas! O Tanoco conta as batatas que coloca a assar na cova e depois não deixa uma sequer. Tira-as todas doiradinhas a preceito, e se lhe faltar alguma, com o pau de as virar corre o fundo da cova toda em ziguezagues até ela aparecer. Nenhuma apanha areia, muito menos maricato. É um artista a assar batatas na areia, o Tanoco. Um artista a assar e a comer. Regala-se, deita-se e ressona, mas continua sempre o mesmo Tanoco. A riqueza não lhe subiu à cabeça, mas sim à barriga. Não o acordes, que ele quando acabar de dormir a sesta, por ele, poderá dar-nos meia caneca de vinho.
Descem a baleira e sentem o quebrar verde dos conchelros debaixo dos pés. Hoje carregarão os cestos da moínha para o monte maior. Amanhã será o dia de aproveitar o regresso a casa do carreto do mato para a sementeira do pinhão.
O pagamento é à quinzena. Uma carrada bem calcada, com a ajuda do subtil e treinado trabalho da machadinha, dá duas na folha dos apontadores. Claro que só um tolinho desprezará o trabalho do menino ou do velhinho, e este bom dinheiro dava o luxo de ter uma conta corrente no livro da loja do Português.
O acordo de cavalheiros de palmo e meio funcionava, entre eles, “ambos os dois”, tinham acordado na técnica do repartir carradas, de duas fariam cinco. Esta última não era declarada aos pais por estes novos comissionistas misseiros sabidos, de palmo e meio, que se sentiam bem e senhores do seu nariz, com modos e confiança perante os mais velhos, quando passavam com cada uma das carradas em frente dos poderosos e respeitados apontadores.
Os dois apontadores, lado a lado, soberanos, exibindo os bastões do poder da escrita, registam o número das carradas de mato que irão a colocar sobre a sementeira do pinho, um rego enorme no comprimento, um carreiro de formigas de mulheres de negro de lenços traçados cobrindo as faces de memórias de tempos sarracenos ancestrais, de rostos queimados e retalhados de rugas, inclemências do tempo e do sol que queima mais vindo da areia que do céu, arrunhando e cobrindo a sementeira que o vento levará aqui, ali e acolá para o fundo da baleira.
Era usual o pequeno e curto trajecto que atravessa a vala do Corgo Seco e terras do Rodrigues ser substituído por trajectos alternativos, longos, que os levariam pelo Pinhal do Mano, Marranhuças, Saibreiras e Seixeira, de forma a diluir a apanha da monda, os trabalhos da machadinha em mão de menino.
Naquele dia o trajecto seria muito mais curto. Iriam a direito como todos os outros tarefeiros fornecedores de mato fixador de areia, matéria-prima ao carreiro formigante de mulheres arrunhadoras, chefiadas pelo garboso capataz que de dia para dia se apresentava cada vez mais bem adonairado, mais interessante para o mulherio. De dia para dia o homem apresentava-se aos olhos delas cada vez mais bem barbeado, mais elegante, mais cingido de cinta e peito saliente, mais bem cheiroso e o odor de sexo que ele largava, sem cessar, pelos poros directamente para as narinas delas.
Naquele dia o trajecto seria o mais curto, o que atravessa a vala do Corgo Seco e as terras do Rodrigues, em vez dos alternativos pelo Pinhal do Mano, Marranhuças, Saibreiras ou mesmo pela Seixeira, pois na manhã anterior, nos Sanguinhais, do longo trajecto até ao arneiro da casa, por entre pinhais do pai do Doutor fez-se o poupado trabalho naquele dia à machadinha.
Ali mesmo ao lado da rodada do carro, marcada a compasso dos passos das vacas, ali mesmo estava o embrulho branco apresentado com curiosidade, arrecadado na pequena bolsa de trapos que levava farnel de broa com sardinha já assada de véspera, pois o capataz proibira fazer fogueira. A curiosidade do companheiro espicaçava ainda mais a sua em abrir o pequeno embrulho branco, mas a estrada estava concorrida. Ali mesmo à frente ia o velho Rolo naquela pachorrice do andar das velhas marinhas. Tal carro tal dono! Atrás vinha o Pimpão novo. Ali não se poderia abrir nada. A vara corria os lombos da Amarela e da Castanha.
Atravessavam a poeirenta rua mal vincada entre muros feitos de adobos de barro e lama, por entre crianças como eles descalças e sujas de ranho vincado por debaixo do nariz, onde se nota a pele rosada, limpa pelas crostas dos punhos. No relveiro da Baleiras d’Areia começaram com a multiplicação das carradas.
A meio da primeira carrada, o nó de cordel foi desatado e aberto o embrulho branco. Três onças de tabaco Virgínia. Agora, o tabaco que o velho Rolo levava para o apontador estava ali nas suas mãos.
Na primeira carrada, o apontador recebe as duas onças em cima da folha do livro. Tabaco Virgínia! Dá cumprimentos ao teu senhor pai, meu menino.
Nessa tarde os meninos fumavam. Já eram homens.
quinta-feira, maio 20, 2010
terça-feira, maio 18, 2010
domingo, maio 16, 2010
Boletim municipal
sexta-feira, maio 14, 2010
terça-feira, maio 11, 2010
quarta-feira, maio 05, 2010
Como está bonita a Praia da Tocha
Como está bonita a Praia da Tocha, desde que tiraram o café que "que agredia a paisagem", agora sim, para qualquer pessoa por muito sensivel que seja, fica contente por ver finalmente um lindo monumento no local do anterior "mamarracho".
Feliz de quem consegue este tipo de mudança, belo cartaz de apelo aos turistas, para o início da época balnear.
P.S.- Gostei muto, talvez as chapas se fossem maiores e com "grafities" dariam outro colorido mais apelativo. Bela obra e muito oportuna.
segunda-feira, maio 03, 2010
O grelo que todos querem comer
Nos Carapelhos, onde há grelo fresquinho que todos querem comer.
Há grelo para todos.
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